domingo, 31 de março de 2013

Catequese - Um poema



Quanta pretensão a minha!
Achar que detinha
o monopólio da raça

Que estupidez a minha!
Pensar que eu vinha
com o portfólio da graça

Eu com catequese
Tu com hospitalidade
Um rio que não se represe
desafia minha vaidade

Eu, civilizado
Tu, selvagem
Eu, educado
Tu, à margem

Teu sorriso fez calar o meu sermão
Onde piso não há lama, não há chão
O meu siso já nasceu, dói mais não
Meu juízo se perdeu na razão

O que pensava te levar
Tu trouxeste a mim
O Deus que fui te apresentar
Surpreendeu-me enfim

Minhas roupas, meus costumes
Não parecem te atrair
Tu me poupas de queixumes
Te contentas com o que vir

Não bastasse a pretensão
de impor as minhas crenças
Além da religião
Também trago-lhe doenças

Pela fé no deus do império
Te escravizo, te anulo
Roubo todo teu minério
Te ironizo, te rotulo

Quem levaria a sério
interesse travestido de amor
Se em nome do Mistério
se explora até a dor?
Com a cruz que se estampa
tanto escudos e brasões
Se conquista,  se acampa
tantos mundos e rincões

Se déssemos ouvidos
ao que diz nosso Senhor
Em vez de oprimidos,
gente livre em amor
Que vergonha, que vexame
Deus não está nas catedrais
E quem sonha, busque ou ame,
Vai encontrá-lo nos quintais

Sob pontes, a relento
Em barracos de sapê
Na favela, assentamento
onde ninguém quer ou pode ver
Não te afrontes, te apresento
Nosso Rei e bem-querer

Autor: Hermes C. Fernandes

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