O DIREITO DOS ESTÚPIDOS E A LIBERDADE DOS LÚCIDOS
As mídias sociais são um espaço democrático. Não apenas os 140 caracteres do twitter e os posts nos blogs e páginas do Facebook, mas especialmente os RTs e comentários são uma celebração da liberdade de opinião como também e principalmente fazem valer em termos absolutos a máxima “quem fala o que quer ouve o que não quer”.
É bom que seja assim. Parafraseando meu cunhado, que comenta em humor politicamente incorreto sempre que ouve uma besteira, “é melhor ouvir isso do que ser surdo”, nas mídias sociais é melhor conviver com as barbaridades postadas do que dimunuir o espaço da troca de ideias e o fomento da construção coletiva do saber, ou cercear o direito à opinião e à palavra de quem quer que seja, inclusive dos idiotas, intolerantes, ignorantes, deselegantes e outros tais. O direito dos estúpidos é o preço da liberdade dos lúcidos – lembrando sempre que o lúcido de um é o estúpido de outro, e seu contrário.
Minha formação religiosa é cristã sob a ótica da Reforma Protestante. Mais precisamente de tradição batista, que se apoia em alguns poucos princípios fundamentais. Além dos dois eclesiásticos: a Igreja como comunidade autônoma, composta por pessoas convertidas e batizadas, e a separação entre a Igreja e o Estado, também cremos que a Bíblia é a única autoridade em termos de fé e ética, e no sacerdócio universal de todos os cristãos, que implica a liberdade de consciência, a responsabilidade do indivíduo diante de Deus, e o livre exame das Escrituras.
Esses princípios se alinham com as propostas do Iluminismo, que prestou um serviço extraordinário à cultura ocidental, ao estabelecer a distinção dos campos: religião e ciência, fé e razão. Infelizmente – e não sem motivos, a distinção é confundida ou transformada em antagonismo. Mas não precisa necessariamente ser assim. A religião se sustenta em axiomas que extrapolam o método racional científico, mas a experiência de fé não é irracional – bichos não se ajoelham para rezar. Toda vez que o ser humano abre mão da razão, em vez de chegar à fé, e a uma experiência espiritual emancipadora, libertadora e favorecedora da autonomia - "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará", torna-se vítima do obscurantismo dogmático e da superstição. A ignorância, a crença irrefletida e a recusa ao debate não são compatíveis com a espiritualidade baseada na consciência que examina livremente um livro considerado sagrado e singular.
Como bem disse o mestre John Stott, “crer é também pensar”. Portanto, fazer pensar é um serviço que se presta à fé. Suscitar o debate e a reflexão é um caminho de evangelização. Puxar o elástico do debate até os limites que se estendem para fora da zona de conforto dos clichês tomados como verdadeiros pela repitição exaustiva é uma forma de atender ao convite de um Deus que gosta de pensar e conversar, e pela boca do profeta Isaías a todos convida dizendo “Venham, sentem aqui comigo, vamos discutir esse assunto”.
Ed Rene Kivitz
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