Por Hermes C. Fernandes
Imagina uma criança que acaba de nascer. Ao ser retirada do ventre de sua mãe, a placenta que a protegeu por nove meses também é removida. Uma vez cumprido o seu papel, ela vai parar no lixo, junto com o cordão umbilical através do qual a criança se alimentava. Depois de limpa do líquido amniótico, a criança é embalada numa manta e colocada num confortável berço. É claro que nada se compara ao ambiente acolhedor do ventre materno. Mas este tempo não voltará jamais. É hora de enfrentar o mundo externo e se preparar para crescer.
Digamos que algum desavisado resolva resgatar a placenta da lixeira para reaproveitá-la. Tal atitude poderia ser considerada sensata? Obviamente que não. Imagine, ainda, se esta pessoa resolvesse levar a placenta para casa e criá-la como se fosse a própria criança. Isso seria o cúmulo do absurdo, concorda?
E se esta pessoa começasse a criticar a mãe que depositou o recém-nascido no berço?
- Que vergonha! Desprezando a placenta que foi tão útil... Como ela poderia ser tão ingrata? Como pode trocar algo natural, acolhedor, protetor, por algo artificial? Essa mãe está muito moderninha para o meu gosto.
É claro que ninguém em sã consciência pensaria desta maneira. Todavia, tem sido assim que muitos têm se portado com relação às estruturas, estratégias e modelos eclesiásticos.
De um tempo para cá, tenho sido duramente criticado por posturas consideradas pós-modernas. Há até quem faça aquele comentário maldoso, do tipo, “já não se faz pastores como antigamente”. Tomando emprestada uma fala de Ed René Kivitz, não se faz pastores como antigamente, pelo simples fato de já não se fazer pastores PARA antigamente.
Modelos servem como placentas. Depois de cumpridos o seu papel, devem ser descartados. Não devemos fidelidade a tais estruturas, mas a Deus somente e aos Seus propósitos.
A igreja dos Gálatas estava voltando à lixeira em busca de placenta e do cordão umbilical; trocaram a graça genuína pelos ritos ultrapassados exigidos pela Lei Mosaica.
Infelizmente, muitos pararam no tempo, tornando-se reféns de um saudosismo nada saudável. Tiraram o foco da criança recém-nascida para a placenta que já não serve para nada. Criam a placenta, enquanto lançam a criança no lixo.
Não se pode querer criar a criança juntamente com a placenta, assim como não se pode conciliar a liberdade da graça com as demandas da Lei. O máximo que a Lei oferece ao pássaro enjaulado é um passeio matinal, mas sem sair da gaiola. Isso, quando não corta as suas asas. A graça abre a gaiola e convida o pássaro a voar. Tenho percebido, por parte de algumas denominações, um empenho de conciliar uma coisa à outra. Algumas parecem tão descoladas no formato, na linguagem, mas escondem por trás disso o mesmo veneno legalista. Tudo não passa de uma passeio sem sair da gaiola.
Depois de conhecer o gostinho da liberdade, nunca mais o pássaro quer saber de viver engaiolado. Não faria sentido armar um alçapão para tentar capturá-lo novamente. É isso que fazemos quando recorremos a expedientes que são contrários ao espírito da graça. É o mesmo que tentar misturar água e óleo. Se você experimentou a liberdade da graça, redobre os seus cuidados com os alçapões. Querem lhe recapturar! Fique esperto!
Paulo denuncia alguns que se infiltraram no meio da igreja para espionar a liberdade que os irmãos tinham em Cristo e os reduzir à escravidão. O apóstolo dos gentios declara que em momento algum submeteu-se a eles para que isso não comprometesse a integridade do evangelho (Gl.2:4-5).
Em sua epístola aos Colossenses, ele reage duramente ao assédio destes porta-vozes do legalismo:
Paulo denuncia alguns que se infiltraram no meio da igreja para espionar a liberdade que os irmãos tinham em Cristo e os reduzir à escravidão. O apóstolo dos gentios declara que em momento algum submeteu-se a eles para que isso não comprometesse a integridade do evangelho (Gl.2:4-5).
Em sua epístola aos Colossenses, ele reage duramente ao assédio destes porta-vozes do legalismo:
"Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo (...) Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo. Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados (...) Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão (...) Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne." Colossenses 2:8, 14-16, 18, 20-23
Ou somos frios ou quentes. Ou vivemos sob a égide da graça ou nos rendemos à opressão da Lei. Deus não tolera mornidão.
Sempre estive ciente dos riscos envolvidos. Porém, prefiro corrê-los a viver aquém daquilo que me tem sido revelado. Como disse Soren Kierkegaard, "ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se.”
Deixando de lado o rock, apelo a um conhecido enredo de samba:
"Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!" E que ninguém se atreva a querer cortá-las...
Prefiro a vertigem que a liberdade provoca ao insuportável jugo da Lei.
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