terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Reveladas as Bestas que ameaçam nossa Civilização


Por Hermes C. Fernandes

O livro de Apocalipse é repleto de simbolismo. Dentre as figuras usadas ali, talvez as mais assustadoras sejam das bestas. Uma vem da terra, a outra, do mar. Dentro de uma interpretação preterista, uma seria o judaísmo apóstata dos tempos apostólicos, e a outra, o império romano. Apesar de concordar com tal leitura, creio que o sentido do livro mais enigmático da Bíblia não se esgota no cumprimento histórico de suas profecias. Proponho uma leitura arquetípica, em que, ao longo da História, em que as carapuças cabem em muitas outras estruturas de poder. Ainda que tenha se cumprido no primeiro século, a profecia segue em seu cumprimento como que num efeito dominó. 

Não precisamos nos esforçar muito para identificarmos quais seriam hoje as bestas de nosso tempo. Não se trata propriamente de pessoas, mas de estruturas de poder que visam exercer soberania sobre os homens, usurpando, assim, o lugar de Deus.

A primeira besta que ameaça a nossa civilização é o Estado. Em vez de ocupar o papel de benfeitor confiado por Deus, o Estado se arroga no direito de exigir total subserviência de seus cidadãos. A máquina pública se agiganta, tornando-se num enorme elefante branco, incapaz de cumprir os desígnios que foram atribuídos. Impostos abusivos, corrupção, injustiça social, são algumas das marcas desta famigerada besta.

A segunda besta que nos ameaça a todos é o Mercado. Mamom é seu patrono. Como a primeira besta, esta também exige total lealdade. Em vez de cidadãos, somos relegados à posição de meros consumidores. Especulação, juros astronômicos, distribuição injusta das riquezas, desemprego, são algumas das marcas deste monstro.

Toda besta busca ser legitimada por um falso profeta. O lugar antes ocupado pela religião, agora é ocupado pela Mídia. Cabe a ela trabalhar pela manutenção do status quo, bem como inebriar as pessoas, suspendendo seu senso crítico, a fim de que se tornem presas fáceis desses monstros. Tanto a religião, quanto os esportes e a cultura acabam exercendo papel coadjuvante no processo. A Mídia, todavia, é quem assume o papel de orquestrar a sinfonia do engano e da ilusão. 

Estado, Mercado e Mídia são a antítese da Trindade Divina. O Estado paternalista no lugar do Pai. O Mercado sedutor no lugar do Filho. E a Mídia ilusionista no lugar do Espírito Santo.

E onde entra a igreja nisso tudo? Qual deveria ser o nosso papel?

Não basta que a igreja anuncie as boas novas do reino. Ela deve denunciar com a mesma veemência as estruturas de poder que repousam sobre a injustiça, chamando os homens ao exercício pleno de sua cidadania. Em vez de subserviência ao Estado, submissão consciente que não prescinda da liberdade. E, quando necessário, insurgência contra leis abusivas que violem nossa consciência. Em vez de consumo exacerbado, o uso consciente dos recursos naturais e dos bens produzidos pela sociedade. E no que diz respeito à Mídia, a igreja deve estimular nos homens o senso crítico, a fim de que possam assistir de tudo, mas só reter o que for bom. Não adianta promover boicotes culturais ou de qualquer outra natureza. Tal procedimento, além de alienante, revela-se contraproducente.

A igreja deve estimular o senso crítico. Há algo errado no mundo e que precisa ser consertado. Por que há tanta pobreza? Por que o meio-ambiente está sendo devastado? Por que a violência segue galopante? Por que nossa educação está sucateada? A quais interesses servem os poderes constituídos? 

A abordagem que a igreja tem feito de alguns desses problemas é, no mínimo, ingênua. Ou na pior das hipóteses, a igreja tem sido conivente. Em vez de propor solução efetiva, ela prefere comer das migalhas que caem da mesa do Estado. É daí que vem a indústria da miséria que serve de locomotiva do terceiro setor. Por que preocupar-nos em resolver o problema, se, no fundo, nos locupletamos dele? Se o problema for resolvido, as tetas nas quais mamamos se secarão. 

Com isso, a igreja dilui sua identidade e missão numa agenda político-partidária, promiscuindo-se despudoradamente com os poderes constituídos. 

Como se não bastasse a relação incestuosa entre o Estado e o Mercado, a igreja, em busca de visibilidade, acaba cedendo aos encantos da Mídia, ingressando nesta orgia capaz de deixar os bacanais romanos parecendo festa de criança. 

O que a igreja necessita não é de visibilidade, mas de credibilidade. E isso só virá quando deixar de dar ouvidos ao canto da sereia, e voltar-se para os necessitados, excluídos e vítimas desses monstros cruéis. Ademais, nada atenta mais contra a credibilidade e relevância da igreja do que sua desconsertante performance no circo midiático. 

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