Hermes C. Fernandes
Hoje estive pensando um pouco mais sobre o episódio em que Mical, de sua
janela, desprezou e censurou a Davi enquanto este dançava à frente da
Arca da Aliança, em seu cortejo de volta a Jerusalém.
Dissemos num artigo anterior que para Mical, o que lhe dava o direito de julgar seu marido daquela maneira era o senso de valor próprio e o senso de justiça própria.
O primeiro, porque Davi havia lhe atribuído um valor maior do que Saul, pai de Mical, pedira como dote.
E o segundo, porque Mical havia livrado a Davi de ser assassinado pelos
servos de seu pai, dando-lhe fuga pela janela de seu quarto.
Foi daquela mesma janela que Mical o desprezou. Ela se achou no direito de fazê-lo.
Fiquei imaginando se essa história não poderia servir como analogia de Cristo e a Sua Igreja.
Como Mical, muitos cristãos se acham no direito de desprezar o que Deus
está fazendo do lado de fora dos seus arraias religiosos.
Afinal de contas, Deus lhes atribuiu valor muito maior do que de fato
mereciam. O preço pago por sua redenção foi o sangue de Jesus. No caso
de Mical, seu dote custou a morte de duzentos filisteus. No caso da
Igreja, seu dote custou a morte do Filho de Deus.
O que deveria nos envergonhar, tornou-se no motivo de nossa soberba. Achamo-nos mais importantes do que o resto do mundo.
Da janela de nosso edifício teológico, desprezamos o Deus que dança com o
resto da criação. Este Deus não é monopólio de ninguém. Ele é Espírito,
e o Espírito é livre para soprar e dançar onde quiser.
Além desse senso de valor próprio, os cristãos também têm nutrido um profundo senso de justiça própria.
Achamos que nossas boas obras foram capazes de nos tornar credores de
Deus. Se antes, nós é que tínhamos uma dívida com Ele, agora, Ele é quem
nos deve. Concluímos que nossas boas obras fazem com que o preço pago
por nós seja devidamente compensado. É como se estivéssemos quites com
Deus. Quanta pretensão!
Em lugar de gratidão, vaidade. Em lugar de humildade, presunção.
Até quando os cristãos desprezarão o Seu Deus? Até quando se incomodarão
com o que Deus está fazendo para além dos muros eclesiásticos? Até
quando censurarão e repudiarão o Deus dançarino?
Tornamo-nos como o irmão mais velho do filho pródigo. Recusamo-nos a participar da festa de arromba promovida pelo Pai por causa do filho que retornou. Só dançamos se a festa for nossa, se o baile for gospel!
O desprezo de Mical a Davi lhe rendeu esterilidade por toda a vida. Até
que ponto a igreja cristã também não tem se tornado estéril em nossos
dias por desprezar o que Deus está fazendo lá fora?
Só há uma maneira de reverter este quadro de esterilidade espiritual:
descer de nossas torres eclesiásticas e aceitar o convite que Cristo nos
faz: Quer dançar comigo?
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