Por Hermes C. Fernandes
Já era de se esperar que a presidente Dilma fosse vaiada durante a
abertura oficial da Copa do Mundo. Eu diria que aquele foi o seu batismo
de fogo. Semelhante ao vivido por Lula em pleno Maracanã durante os
Jogos Pan-americanos.
Creio que exercer qualquer cargo político numa democracia demanda que
estejamos preparados para qualquer tipo de reação popular. E,
sinceramente, prefiro isso à censura. Todavia, penso que deveríamos ser
mais civilizados. Bastava uma boa vaia e ponto. Não havia a necessidade
de xingá-la daquela maneira, posto que ela seja a maior autoridade do
país. Se ficou feio para ela, ficou bem pior para nós diante da
audiência mundial. Demonstramos ser um povo deseducado, capaz de
impropérios como aquele até diante dos nossos próprios filhos.
Apesar de xingada, Dilma segue liderando as pesquisas de opinião. Julgo
que agiu bem em não retrucar na hora. Experiente, ela sabe que o povo é
instável em suas opiniões. O mesmo povo que recebeu Jesus com mantos e
palmas e gritos de Hosana, no dia seguinte, instigado pelos sacerdotes e
membros do sinédrio, gritava no pátio de Pilatos: "Crucifica-o!" Não
duvido que muitos que a vaiaram e xingaram, votarão nela nas próximas
eleições. A turba age pela emoção do momento.
Creio que é hora de Dilma fazer um balanço honesto de seu governo. Não
creio que a vaia só partiu da "elite branca". Ainda que o estádio
estivesse lotado de gente beneficiada pelo bolsa família, duvido muito
que ela não saisse igualmente vilipendiada.
Nem mesmo Davi, o mais importante monarca de Israel, escapou de ser
hostilizado por seu próprio povo. Durante sua fuga de Jerusalém quando
seu filho Absalão conspirava para tomar-lhe o trono, um homem da
linhagem de Saul, cujonome era Simei, aproveitou-se do momento para sair
ao seu encontro, amaldiçoando-o e atirando-lhe pedras. Sobrou até para
os servos de Davi. Um dos seus homens sugeriu uma reação forte contra
Simei e até ameçou arrancar-lhe a cabeça, pelo que Davi respondeu: Se
meu próprio filho procura tirar-me a vida, que dirá este homem que
pertence a mesma linhagem de Saul. Deixem que ele me amaldiçoe à
vontade, pois isso vem do Senhor (2 Sm.19:5-12).
Outro teria dito que isso viria do diabo... Mas Davi, homem segundo o
coração de Deus, sabia que nada escapava do Seu controle. Mesmo o
descontentamento da turba poderia resultar numa guinada em seu reinado.
Se Dilma souber aproveitar este momento para reavaliar sua política, quem sabe seu governo sofra também uma guinada positiva?
Apesar de ter sido duravamente vaiado no Maracanã, o fato é que Lula
conseguiu fazer sua sucessora. Isso é ou não é dar a volta por cima?
Concordemos ou não com sua maneira de governar, é inegável sua
popularidade sem precedentes na história recente do país.
Não sou eleitor de Dilma, mas torço para que ela acerte. Não tenho
qualquer comprometimento ideológico/partidário. Só quero ver meu país e
meu povo prosperando.
O descontentamento popular é um sinal dos céus para qualquer governante.
Mesmo não concordando com o xingamento em si, creio que Dilma poderá
encará-lo como um desafio. Brizola já dizia que ninguém é totalmente
aceito sem que antes seja totalmente rejeitado.
O texto sugere que Simei passou todo o tempo acompanhando a caravana de Davi, amaldiçoando-o e apedrejando-o. Bastava um sinal por parte do rei, e sua cabeça voaria longe. Mas o rei preferiu sofrer calado.
Depois que Absalão foi derrotado, Davi fez o caminho inverso, e
retornando a Jerusalém, reassumiu o trono. Enquanto caminhava em direção
a Jerusalém, o povo saiu-lhe novamente ao encontro. Só que agora a
situação era bem diferente. Em vez de tristeza, havia alegria no ar,
ainda que o coração de Davi estivesse em profundo luto pela morte de seu
filho amado. Era chegada a hora do acerto de contas. Aquele mesmo Simei
que acompanhou a caravana de Davi, apedrejando-o e amaldiçoando-o,
agora saiu novamente ao seu encontro.
Simei tomou a frente de todos, prostrou-se diante do rei, e lhe disse: “Não
me imputes, senhor, a minha culpa, e não te lembres do que tão
perversamente fez teu servo, no dia em que o rei meu senhor saiu de
Jerusalém. Não o conserves, ó rei, no coração. Pois eu, teu servo,
deveras confesso que pequei, mas hoje SOU O PRIMEIRO, de toda a casa de
José, a descer ao encontro do rei meu senhor” (vv.19-20).
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