Acabo de ver o filme que em português ganhou o nome de “O Lavador de almas”, e que trata da história real de Albert Pierrepoint, que viveu entre 1905 e 1992, e foi o mais famoso membro da família de Yorkshire, a qual forneceu três gerações de Chefes de Execuções da Inglaterra.
No total Pierrepoint executou por enforcamento, em nome da Inglaterra, de modo oficial, mais de seiscentas pessoas, entre 1932 e 1955.
Além de excelentes performances artísticas dos atores e atrizes, o filme é tragicamente belo por revelar o processo psicológico de tentativa de isenção de um “carrasco” que acreditava que seu “trabalho” poderia ser “deixado fora dele”. Ou seja: fora de sua própria mente e coração.
Além disso, o filme mostra como o “Estado” tem um papel de corrente de transferências de responsabilidade diabólica. Assim, quem julga e decide a pena, dorme “em paz”; e quem a “executa”, também “dorme em paz”.
É a mesma psicologia dos que são contra a morte de uma galinha, mas adoram comer uma “coxinha”.
Também é evidenciada no filme a força perversa da mídia, a qual, quando interessa, promove o indivíduo, e, quando ele não interessa à venda de notícias, o mata sem deixá-lo morrer aos olhos do público.
Pode-se ver também como as mudanças sociais (as quais fazem o que é louvado hoje ser abominado amanhã) sempre focam seu alvo de ódio (uma vez havendo a mudança de paradigma “moral”) na parte final do processo. Ou seja: naquele que torce o pescoço da galinha.
O que é forte ante a percepção é o processo de suposta isenção que uma corrente de “diluição de responsabilidades” pretende produzir na mente dos implicados. Afinal, “it only my job” — diz cada ser humano membro da cadeia de eventos.
O problema é que a alma não acredita nisso, e, mais cedo ou mais tarde, cobra seu próprio pagamento pela execução dos trabalhos de auto-aniquilamento da consciência individual.
O filme é muito útil a todo aquele que julga que na engrenagem da maldade, a consciência pode ter paz pela suposta auto-justificação de que aquele ato é apenas a seqüência de um processo decisório sem pai e sem mãe éticos.
Na realidade, de um modo ou outro, todos nós fazemos parte de uma engrenagem de morte que, de tão difusa, nos apresenta um cenário psicológico que viaja do ente Absoluto que é o “Estado” (sem pai, sem mãe e sem densidade individual), até o executor físico das medidas, as quais, são por ele praticadas com a suposta isenção que diz: “Isto é apenas um negócio. Portanto, não é nada pessoal”.
O Juiz que decidiu o faz mediante a frieza da Lei, e, no fim do processo, o executor o faz crendo na responsabilidade do Estado. Assim, se crê que ninguém fez mal a ninguém (ou matou ninguém), mas apenas cumpriu seu papel numa cadeia cheia de elos sem responsabilidade individual existente em qualquer deles; pois, de fato, a responsabilidade primeira e final é da Lei e do Estado, ambas as coisas intangíveis para a percepção do indivíduo.
A alma, todavia, não está sujeita à Lei dos Homens, pois, é dotada de uma Lei mais profunda, a qual, jamais está de todo submissa à Moral das circunstâncias e dos acordos da Sociedade (outro ente imaterial, porém, carregado de responsabilidade intangível).
De fato, Deus colocou Sua Lei no coração do homem, e, em oposição sistemática a ela ninguém mantém a sanidade, mesmo que se diga amparado pela Lei Moral criada pelos caprichos ou passageiras compreensões da Maioria.
Os auto-enganos elaborados pela mente na busca de auto-justificação têm poder relativo, e, com o passar do tempo, nada mais funciona quanto a aplacar a verdade que habita o interior humano — ainda que por vezes tal prevalência da verdade do ser contra a moral humana ou contra a Lei da civilização, leve anos para acontecer.
Ninguém quer fazer o trabalho sujo. Ninguém quer torcer o pescoço da galinha. Assim, o que decide o faz baseado na culpabilidade do acusado segundo a Lei; e quem executa a ordem o faz fundado na responsabilidade de quem mandou que ele assim fizesse, segundo a Lei.
A alma, entretanto, não consegue existir para sempre sob os sacrifícios de “bodes e touros”, e, ao final, levanta-se como carrasco daquele que violou a Lei do Coração.
Alias, o próprio Albert Pierrepoint desenvolveu seus próprios ritos de auto-justificação. Pois, cria que uma vez mortas, aquelas pessoas por ele executadas em nome do Estado, estavam inocentes, posto que pela morte haviam pagado seus próprios pecados contra o próximo. Desse modo, ele tratava os corpos com a delicadeza litúrgica com a qual um padre trata a hóstia em solenidade eucarística.
Até o dia em que Albert começa a executar os que dizem com a boca e os olhos que são inocentes.
Até o dia em que seu talento de executor é celebrado pelas autoridades inglesas, desejosas de dar ao mundo um espetáculo de firmeza-limpa, e pedem ao “carrasco” que vá à Alemanha executar oficiais do alto escalão Nazista, após a guerra. Lá ele começa a surtar sob imenso auto-controle exterior...
Até que seu único amigo mate a amante e ele tenha que passar à volta do pescoço do companheiro de diversão a maldita corda da forca. E isso enquanto o amigo agradece a ele...
Então, vêm os remorsos, as culpas, os pesadelos e as angustias. E, sobretudo, vêm as auto-punições. Sim! Chega a hora da consciência violada pelo “Direito” se tornar o carrasco de si mesma.
Um dia Albert Pierrepoint teve a coragem (ainda que a principio auto-enganada) de por um fim na história de sua família de carrascos. E, em razão de tal decisão, provavelmente tenha dado a si mesmo a chance de grande longevidade, pois viveu mais 40 anos, tendo morrido com mais de 90 anos de idade, em 1992.
As grandes lições do filme são essas aqui mencionadas, e nenhuma delas é coisa de somenos importância para a consciência humana.
Caio
Fonte: Site do Caio Fábio
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