O Evangelho nos faz promessas que para a maioria parecem ser apenas poesia existencial,
especialmente em tempos de tanta inquietação, angustia, pânico, medo,
carências, frustrações, ansiedades, frenesi de alma, medo de solidão,
angustia de silencio, crises existenciais, conflitos de identidade
sexual, vazio de significado, culpa neurótica, paranoia, desequilíbrio
mental e emocional; esburacamento afetivo, superficialidade de
sentimentos, fraqueza de decisões, obrigatoriedade de ceder a tentações,
dúvidas constantes sobre a fé, confusão acerca do significado de Jesus e
do Evangelho —; enfim, tempos de tanto anti-evangelho instalado na alma
e na existência; e por cuja Era de Morte afirmações como as que fez
Paulo acerca da “paz de Cristo que excede a todo entendimento”, ou da “paz de Deus em nossas mentes e corações”, ou mesmo da “paz de Cristo como o arbitro nos nossos corações”, parecem ser totalmente poéticas, irreais e inalcançáveis.
Isto porque a paz que excede ao entendimento
se tornou algo que precisa ser o resultado de tudo o que se entenda em
nosso favor e como conforto pessoal; e nunca algo que possa existir para
além do entendimento e das lógicas do conforto caprichoso.
Já a paz de Deus em nossas mentes e corações
é algo aceito como harmonia de todos os nossos desejos e
circunstancias, sem contratempos, doenças, dores ou mínimos desconfortos
ou dissabores.
E a paz de Cristo como arbitro nos nossos corações tem que ser o conluio de Deus com todas as nossas vontades, apelos, venetas e delírios; do contrário, que paz pode haver?
Sim, nesses
dias de angustias supremas e desejos soberanos, paz é algo que não
importa, desde que estejamos angustiadamente de posse de tudo o que
loucamente sonhamos!
Desse
modo, paz é tudo dar certo, conforme o nosso planejamento; é a
realização de todos os nossos caprichos; é a expressão de nossa
importância, ainda que de modo angustiado; é reconhecimento relacional; é
nossa relevância social; é dinheiro; é propriedade; é poder; é ter; é
realizar; é ser alguém, ainda que seja no Facebook...
Jesus disse: “Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou”; e disse que se tratava de uma paz que o mundo não conhecia e nem poderia conhecer.
Ora,
Paulo disse que essa Paz de Deus em nós, e que excede o entendimento, e
que arbitra o bem em nossos corações, convive com todas as contradições
da existência e não foge do viver jamais. Assim, diz ele, essa paz
existe em meio à rejeição, ao aperto financeiro, ao desprezo, às
opiniões que nos degradem, às angustias por fora e às lutas por dentro; e
até mesmo quando somos considerados espetáculo de morte a homens e
principados e potestades.
Sim,
é paz que mesmo nada tendo, pois possui tudo; e que mesmo carregando no
corpo o morrer, vive para Deus em suprema alegria de ser!
A teologia sempre buscou diminuir as implicações de tal paz de Deus em nós; isto quando dicotomizou-a, criando a categoria da paz com Deus como algo inicial, até que se alcance a paz de Deus, o que seria um estágio para os mais elevados na fé. Assim, a paz com Deus é coisa para quem foi basicamente salvo e perdeu o medo do inferno; já a paz de Deus é o bem dos santos superiores, os quais transcenderam a este mundo — coisa rara!
Jesus, entretanto, apenas disse: “Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou; não a dou como a dá o mundo!”
Desse
modo, trata-se de uma mesma e única paz; e que excede ao entendimento
mundano; e que é paz de Deus no cerne do ser; e que é o árbitro do que
se deve e não se deve ser e fazer segundo Deus!
Tal
paz decorre de estar em Cristo; Nele enraizado pela fé; Nele
justificado e santificado; Nele tendo nossa advocacia eternamente
gratuita; Nele tendo nossa intercessão e Seu sustento como Sumo
Sacerdote; Nele provando a glória de Deus como galardão existencial em
fé, hoje; Nele permanecendo pela obediência em fé ao mandamento do amor e
do perdão; Nele comendo a vontade de Deus também já Nele totalmente
revelada; Nele vivendo em gratidão; Nele celebrando a Graça até nos
absurdos; Nele provando contentamento em razão de nos sabermos herdeiros
de bens superiores; Nele absolvidos; Nele justificados; Nele mortos e
ressuscitados; Nele já assentados em lugares celestiais; Nele já mais
que vencedores; Nele postos acima de todo principado, potestade e poder;
Nele crendo que aquele que Dele se alimenta, por Ele e Nele viverá!
Ora,
esta paz pode não ter casa própria, mas tem morada na casa do Pai; pode
não saber do pão de amanhã, mas agradece o de hoje; pode não ter nome a
ser reconhecido, mas sabe que tem um novo nome, o qual ninguém conhece;
pode ter muito, pois não confiará em quantidade; pode não ter nada,
pois não temerá a escassez; pode nada poder, pois sabe Quem pode por
nós; pode nada possuir, pois já é rico de tudo o que somente se pode
carregar no coração!
Sim,
esta paz pode sepultar filhos, pois sabe que não os perdeu; pode viajar
da sepultura ao casamento, posto que no primeiro celebre as bodas
eternas, e no segundo caso a bela alegria da relatividade humana; pode
chorar sem tristezas mortais; pode sofrer com doces dores celestiais;
pode ser acusado, e ainda assim dormir com anjos; pode ser visto como
lixo e escoria, porém, apesar disto, se saber coroado em gloria com
apóstolos e profetas.
Tal
paz não sente pena de Jó, mas em sua fé se regozija; não lamenta por
João Batista, pois sabe que ele foi um dos poucos que nunca perdeu a
cabeça; não acha estranho que frequentemente os dias mais felizes sejam
os mais destituídos de poder; não inveja nada; não ambiciona; não julga
que seja de fora que nos possa vir o nosso bem; não é dono de nada,
posto que já seja herdeiro de toda a Terra, e de muitos outros mundos,
camadas e dimensões!
Tal
paz não morre, pois aquele que por ela é possuído já é herdeiro da vida
eterna; não sente fome, pois come o pão dos significados; não sente
sede, posto que dele jorre uma fonte que salte para a eternidade; não
julga nenhuma tragédia final, pois sabe que a verdadeira vida e
felicidade não estão disponíveis aos sentidos mortais.
Sim,
essa paz é Deus em nós; é a possessão da loucura divina contra as
logicas deste mundo de morte; é poder que passa fome, mas não transforma
pedras em pães; é a decisão de descer pela escada do Pináculo, ao invés
de dele pular como autoconfiança messiânica; é arbítrio supremo que diz
não a Satanás nos lugares mais altos...
Ora, isto não é
poesia! Sim, isto não é a sedução evangelizadora do “Cristianismo
angustiado” na busca de prosélitos; e não é a “cantada” de Jesus aos
incautos!
Esta
paz é real; existe; é possível; está ao alcance do coração de qualquer
um que creia e se entregue sem medo e sem discussão com Jesus e Sua
Palavra!
Esta é a paz de quem morre para as falsas importâncias do tempo/espaço e se entrega apaixonadamente ao amor invisível de Deus!
Todavia, esta paz somente é possível para os que morreram para o mundo; os quais se fizeram vivos para Deus!
Afinal, esta paz não é deste mundo; e este mundo não a pode conhecer e nem mesmo conceber. Ora, como disse Pedro: “Foi por esta razão que o Evangelho foi pregado a mortos, para que, mesmo mortos na carne, vivam para Deus”.
Aquele,
porém, que quer ter seu galardão neste mundo, este, então, tome boas
doses de ansiolítico e aguente o tranco; pois, a paz de Cristo jamais
será uma possibilidade para o cidadão escravizado aos mortais galardões e
falsas importâncias deste planetinha de cardos, abrolhos, angustias e
recompensas de fumaça, fogo, sangue e fumo de agonia.
Nele, em Quem creio, por isto digo o que provo para mim como possibilidade, caminho, verdade e vida,
Caio
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