quarta-feira, 17 de julho de 2013

O mais subversivo dos mandamentos


Por Hermes C. Fernandes

Jesus introduz uma perspectiva revolucionária capaz de sacudir os alicerces sobre os quais nossa sociedade foi erigida. Ele substitui o antigo mandamento do amor por um novo e subversivo mandamento, onde a referência já não é o amor próprio, mas o amor de Cristo.

O amor próprio nos serviu como uma vela acesa durante uma noite longa e escura. Mas com o raiar do dia, já não faz sentido manter a vela acesa. É sobre isso que João fala em sua primeira epístola:
“Amados, não vos escrevo novo, mas um mandamento antigo, que desde o princípio tivestes. Este mandamento antigo é a palavra que ouvistes. Contudo vos escrevo novo mandamento, que é verdadeiro nele e em vós, porque as trevas vão passando, e já brilha a verdadeira luz” (1 Jo.2:7-8).
O que João diz aqui pode parecer contraditório. Afinal de contas, trata-se de um ‘novo’ ou um ‘antigo’ mandamento? Veja, o mandamento é o mesmo: amar ao próximo. Entretanto, o referencial é que mudou. Em vez de amá-lo como a si mesmo, deve-se amá-lo como Jesus nos amou.

A chegada do novo dia faz desnecessária outra referência de amor que não seja aquela demonstrada na Cruz. Qualquer outra referência é ofuscada pela a maior e mais contundente prova de amor de que se tem notícia. E é este amor que nos constrange para que deixemos de viver para nós mesmos, e vivamos em função d’Ele e do bem-estar dos nossos semelhantes. Paulo diz que “o amor de Cristo nos constrange (...) E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si” (2 Co.5:14a,15a). Diferente da luz proporcionada pela vela, que alumia apenas em um pequeno raio, a luz solar é capaz de dissipar todas as trevas, tornando noite em dia.

Quando arrebatados do império das trevas para o reino do Filho do Amor de Deus, somos batizados, imersos em Seu amor. No dizer de Paulo, “o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm.5:5). É um caminho sem volta. O sol que acaba de nascer, jamais se porá novamente. Deixamos de viver para nós mesmos, para viver em função do objeto amado, nesse caso, Deus e nossos semelhantes. O amor próprio deve ser dissipado. O vento do Espírito deve apagá-lo, para que em seu lugar possa arder o genuíno amor de Deus.

Ora, se deixamos de nos amar, por que razão deveríamos cuidar de nossa saúde, aparência, finanças e tudo o que diz respeito ao nosso bem-estar particular? Será que deveríamos nos tornar pessoas relaxadas? Isso glorificaria a Deus? Não! Absolutamente. Só que agora, nossas motivações são outras.

Deixar de amar a si mesmo para amar a Deus e a seus semelhantes não significa deixar de viver, ou mesmo preferir morrer. O que nos motiva agora é a busca pela glória de Deus e pelo bem comum. Vejamos o exemplo de Paulo, registrado em sua carta aos Filipenses:
“A minha ardente expectativa e esperança é de em nada ser confundido, mas ter muita coragem para que agora e sempre, Cristo seja engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte. Pois para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp.1:20-21).
Repare nisso: a única coisa de que Paulo fazia a mais absoluta questão era que Cristo fosse engrandecido através dele, não importava se pela sua vida ou pela sua morte. Paulo não temia a morte. Ela tinha consciência de que a deixar este mundo era lucro. Ora, se morrer é lucro, por que não devemos todos desejar a morte? Porque não buscamos por lucro. Viver em função daquilo que nos é vantajoso é guiar-se pelo amor próprio, e não pelo amor à Deus e aos nossos semelhantes. Paulo prossegue em seu raciocínio:
“Mas, se o viver na carne trouxer fruto para a minha obra, não sei então o que deva escolher. Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, o que é muito melhor; mas julgo mais necessário, POR AMOR DE VÓS, permanecer na carne. E, tendo esta confiança, sei que ficarei, e permanecerei com todos vós para o vosso progresso e gozo na fé” (Fp.1:22-25).
À luz desta perspectiva, podemos concluir que todo bem que procuramos para nós mesmos, deve ser motivado pelo bem que isso vá causar aos nossos semelhantes. Por exemplo: sou pai de três lindos filhos. Eu poderia pensar: se não devo amar a minha própria vida, então, por que não posso fumar? Que mal haveria nisso? Isso apressaria minha passagem para o mundo porvir. Porém, pensando assim, eu estaria me suicidando à prestações, e dando um péssimo exemplos aos meus filhos a quem devo amar incondicionalmente. Portanto, é por amor a eles que devo me cuidar. Eles precisam de mim por muito tempo nesta vida. Se pretendo ficar muito tempo neste mundo, para poder servir aos meus semelhantes, devo me cuidar, praticar exercícios, alimentar-me bem, abandonar qualquer vício prejudicial à saúde, etc.

E quanto à busca por estabilidade financeira? Haveria alguma justificativa plausível à parte do amor próprio? Óbvio que sim! É Paulo quem de novo nos oferece uma razão em linha com o novo mandamento.
“Aquele que furtava, não furte mais, antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o necessitado”(Ef.4:28).
Eis a razão porque devemos trabalhar e buscar estabilidade financeira: ter o que repartir com quem precisa. Não é pecado ser rico. Pecado é fazer da riqueza um fim em si mesmo. Lembre-se que “o amor do dinheiro é a raiz de todos os males” (1 Tm.6:10a). As coisas estão aí para serem usadas, e não amadas. As pessoas que devem ser amadas! Usemos as coisas para beneficiar as pessoas, e não usemos as pessoas para adquirir as coisas. Vale aqui a advertência paulina:
“Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as cosias para delas gozarmos; que façam o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir, que acumulem para si mesmos um bom fundamento para o futuro” (1 Tm.6:17-19a).
Se quisermos garantir um futuro promissor para nós e para o resto da humanidade, temos que mudar nosso paradigma, apagar a vela do amor próprio, e receber com gratidão o raiar do Sol da Justiça e do Amor trazendo o novo dia. Embora o novo dia já tenha raiado, estamos aguardando o momento em que ele atingirá o seu apogeu, o que costumo chamar de meio-dia profético, quando já não haverá mais sombras.

Urge despertarmos do nosso sono indolente e aprendermos a praticar o novo mandamento do amor. Não basta dizer que ama, tem que expressar esse amor em gestos e atitudes. Temos que aprender a repartir nosso pão, a viver em função do nosso semelhante, e não em função de nosso aprazimento pessoal.

Trata-se da prática do jejum prescrito em Isaías 58. Quando repartirmos nosso pão com o faminto, recolhermos em casa os sem-teto, vestirmos o nu, e deixarmos de nos esconder do nosso próximo, cumprir-se-á a promessa: “Então romperá a tua luz como a alva (...) se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita, então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia” (Is.58:8a,10).



O novo dia começou na Cruz, com a maior demonstração de amor de todas as Eras. A Igreja Primitiva vivenciou, durante o tempo de tribulação, a madrugada do novo dia, quando Jesus lhes parecia como a Estrela da Manhã. Somos convidados a vivenciar a alvorada desse Dia chamado Hoje, e aguardar pelo momento em que o Sol se posicionará no centro do Céu, dissipando as sombras, e trazendo avaliação e juízo a todas as obras. Quando isso se der, não apenas nossas obras serão julgadas, mas também as motivações que as produziram.

Ed René Kivitz - Frio

As Faces da Terra Santa -- A Criança Sacrificada