segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Os animais são dotados de consciência?


Por Hermes C. Fernandes


Cada questão respondida nos conduz a uma nova questão. Ora, se os animais são dotados de alma/espírito como defendemos no último post, seriam eles igualmente dotados de consciência? Se a resposta for sim, teremos que repensar muita coisa do ponto de vista ético, principalmente no que diz respeito ao trato dispensado a eles, no uso deles como cobaias, no comércio de pele, na maneira como são mortos nos abatedouros, etc.
De acordo com o grupo Stop Animal Tests (Parem os testes em animais), 115 milhões de cobaias são mortas a cada ano só nos Estados Unidos. Cerca de 80% são ratos e coelhos. Na União Européia foram 12 milhões de animais mortos em laboratório em 2005. Segundo a PETA (People for Ethical Treatment of Animals - Pessoas pela Ética no Tratamento aos Animais), já houve casos de testes de drogas em ratos e chimpanzés que deram errado em pessoas. Foi o caso da talidomida, medicamento para enjoo na gravidez que resultou em 10 mil bebês com defeitos congênitos no mundo inteiro. Ora, se nem sempre funciona, por que insistem? Há alternativas? Sim. Em muitos casos, cobaias poderiam ser trocados por tecidos de animais já mortos e microorganismos. Simulações de computador e estudos com cultura de células seriam mais precisos, baratos e humanitários. Pode-se reduzir o número de animais usados - por exemplo, evitando duplicar os testes e usando apenas as espécies mais adequadas.

Se perguntarmos a um cientista que tortura animais porque ele faz isso, ele prontamente responderá: "por que os animais são como nós". Eles respondem aos mesmos estímulos. Seu organismo tem a mesma reação que o nosso. Pergunte ao mesmo cientista porque é moralmente aceitável fazer isso com um animal e não com um humano e a resposta será: "porque eles são diferentes de nós." Não haveria aqui uma contradição? Afinal, eles são iguais ou diferentes de nós? Obviamente que tais questões só são relevantes se comprovarmos que os animais possuem alguma consciência.

O que é consciência, afinal? A consciência é, entre outras definições, a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. O que a Bíblia nos diz acerca disso? Teriam eles alguma consciência? Ou seriam movidos unicamente por instinto?

Deus dá testemunho de que o animal é um ser consciente:

“O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende.” Isaías 1:3

Para que o boi reconheça seu dono, ele deve ter algum tipo de consciência. O mesmo se dá com qualquer animal de estimação. Alguns, como por exemplo, os cães, além de consciência, parecem dotados de um sexto sentido, capaz de prever a chegada do seu dono muito antes de atravessar a porta de casa.

Talvez seja por ter a capacidade de reconhecer seu dono que o boi deve ser responsabilizado caso venha tirar a vida de alguém.

“Se um boi ferir um homem ou mulher e lhe causar a morte, o boi será apedrejado, e ninguém comerá da sua carne; o dono do boi será absolvido.” Êxodo 21:28

Vale lembrar que isso fora dito durante a regência da Antiga Aliança. A mesma Lei ordenava o apedrejamento de alguém flagrado em adultério. Não seria razoável executar um animal que não tivesse qualquer noção do que havia feito. Punição requer reconhecimento do erro. Concluímos, então, que este animal é dotado de alguma consciência. Ora, se a Lei era aplicada a um animal considerado de estimação (os bois eram considerados assim), por que a graça não seria igualmente aplicada? Ou será apenas o homem alvo da graça divina?

Os animais sentem dor, como nós. Ficam tristes, alegres, perdem o apetite, se apaixonam, se solidarizam, se apegam ao dono, e alguns até morrem deprimidos quando perdem a parceira. Que mais seria necessário a fim de comprovar serem dotados de consciência? Será necessário que falem? Pois a Bíblia narra um episódio em que Deus permitiu a uma jumenta que falasse e argumentasse com um profeta rebelde que a espancava sem razão.  Confira:

“Então o SENHOR abriu a boca da jumenta, a qual disse a Balaão: Que te fiz eu, que me espancaste estas três vezes? E Balaão disse à jumenta: Por que zombaste de mim; quem dera tivesse eu uma espada na mão, porque agora te mataria. E a jumenta disse a Balaão: Porventura não sou a tua jumenta, em que cavalgaste desde o tempo em que me tornei tua até hoje? Acaso tem sido o meu costume fazer assim contigo? E ele respondeu: Não.” 
Números 22:28-30

Imagine se Deus permitisse a todos os animais maltratados pelo homem o mesmo dom? Tal permissão foi dada àquele animal de carga para que se defendesse. Alguém ainda ousa dizer que eles não têm consciência? Ainda que não falem a nossa língua, eles têm sua maneira de se comunicar, tanto com os de sua própria espécie, quanto conosco. Cientistas tentam decifrar a linguagem altamente sofisticada usada pelos golfinhos. Até abelhas e formigas comunicam intensamente entre si. Graças à esta capacidade, colmeias e formigueiros formam duas das sociedades mais complexas encontradas na natureza. 

Surge, então, uma nova questão: Se tais seres têm alma e consciência, seriam eles alvo da graça divina para a salvação?  O conceito de salvação é muito amplo, e abrange, entre outras coisas, a preservação. Assim como no episódio do dilúvio, Deus preservou as espécies, cremos que Ele as preservará na nova terra.

E qual seria o escopo desta preservação? No caso dos humanos, Deus salva a indivíduos. E no caso dos animais, Ele preservaria indivíduos ou espécies? A resposta a esta pergunta fica no campo da especulação. Não há base bíblica para que afirmemos categoricamente, tampouco que neguemos tal possibilidade. Por isso, não ouso dogmatizar. 

Nosso planeta já passou por várias extinções em massa, algumas de proporções devastadoras, levando ao desaparecimento completo de inúmeras espécies. Tais extinções serviu a um propósito divino, pois eliminou o antigo grupo dominante, abrindo espaço para o surgimento e hegemonia de um novo grupo. Se os dinossauros não houvessem sido extintos, os mamíferos (dentre os quais somos incluídos) não se tornariam dominantes na Terra.

Sinceramente, não creio que a raça humana tenha convivido com eles, e nem que teremos que conviver com os dinossauros na eternidade. Se Deus salvasse a todas as espécies que já passaram pela Terra, precisaríamos de um espaço muito maior que possibilitasse o convívio entre elas. Quem sabe Ele esteja preparando algum lugar neste vasto Universo para elas? Em se tratando do Criador, não há o que duvidar. Poder não lhe falta.

Porém, creio que haja certo número de espécies destinadas a compartilhar do mesmo espaço que o ser humano. São nossas companheiras de jornada. Estas serão preservadas e desfrutarão da nova terra em nossa companhia.

Haveria, ainda, salvação individual para os animais?

Ainda no campo da especulação, tenho a impressão que sim, que haverá salvação para aqueles que tiveram um laço profundo com seres humanos. Talvez Elias, o profeta, reveja os corvos usados por Deus para alimentá-lo durante a seca em Israel. Talvez Jesus reveja o jumento sobre o qual montou em Sua entrada triunfal em Jerusalém. 

Na parábola contada por Natã a Davi, um homem criou uma cordeira como se fosse sua filha. Ele a criou, e ela cresceu com ele e com seus filhos. Ela comia junto dele, bebia do seu copo e até dormia em seus braços. Era como uma filha para ele” (2 Sm.12:3).

Parece-me justo que um animal criado com tanto amor, seja restituído àquela família na restauração de todas as coisas. Penso que isso oferece um enorme consolo, principalmente às crianças, quando perdem um animalzinho de estimação.  E não encontro razão bíblica para que isso não aconteça. 

Se o Senhor os ama a ponto de dar-lhes o sustento, por que não os traria de volta para a alegria daqueles que igualmente os amava?

Não se trata de "salvação" no mesmo sentido aplicado aos homens, pois estes pecaram e foram destituídos da glória de Deus. Trata-se, porém, de restauração à sua condição original. 

Embora não ouse dogmatizar, celebro com alegria e esperança esta possibilidade.