segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Édipo Rei - Adriane Duarte

Esperando Godot - Fábio de Souza Andrade

OS HUMANOS DESISTIRAM DA HUMANIDADE



A Discovery e o National Geographic Channel são meus prediletos na televisão. Aprendo, me inspiro, discordo com insights antitéticos construtivos para mim, e mantenho-me não tão longe do que mais gosto na Terra: ela mesma. Atualmente, no entanto, vejo o mais perigoso de todos os programas que a Discovery já produziu. Quando a ciência e a tecnologia constroem cenários de milhões de anos atrás e, baseados em registros fósseis também “reconstroem” a era pré-histórica, tudo bem. Muitas vezes faz sentido. Outras vezes, nem tanto. Quando nos tomam pelos olhos e nos conduzem aos ventrículos mais profundos da terra, do mar e da história, deixam-nos extasiados. Eu, pelo menos, freqüentemente me apanho em louvor e oração. Fico feliz de poder saber de todas essas coisas. Quando advertem profeticamente que a humanidade está se auto-aniquilando e, assim, tentam gerar ações de preservação de espécies e do meio ambiente, estão ajudando a criar uma consciência sadia, ainda que baseada em nossa autopreservação. Hoje, no entanto, foi diferente. O programa passou a primeira vez no domingo à noitinha. Repetiu a 1 da manhã de segunda. O nome do programa é Futuro Selvagem. A qualidade técnica é “Discovery”—ou seja: maravilhosa. A idéia é absolutamente lógica considerando as leis da teoria da evolução e, sobretudo, as condições de degradação do ecossistema e as inapeláveis conseqüências. Tudo certo conforme a premissa lógica e a lógica da premissa. Uma interpretação do passado da Terra a partir da teoria da evolução é aceitável para muitos cristãos. De fato, nos últimos vinte anos, apenas os cristãos americanos—e seus repetidores de formulas simples—é que ainda se preocupam com essa questão como uma ameaça à fé. Havia a pré-história e a história. A história começa com a autoconsciência e com o seu registro como alguma forma de impressão. E quanto maior a autoconsciência, maior é o sentido de história. A história, estranhamente, é tanto maior quanto maior e mais profundamente o sujeito a percebe. A história é feita fora, mas é escrita a partir de dentro do homem. Agora a Discovery criou o Futuro Selvagem. Os homens acabaram com a civilização humana. Uns poucos sobreviveram refugiando-se em outras galáxias. O que sobra na Terra é apenas aquilo que aqui havia antes de ter havido a primeira autoconsciência: milhões e milhões de anos de existências sem autoconsciência e uma quantidade enorme de seres que continuaram o processo evolucionário, sendo que o Caracará brasileiro, em mais cinco milhões de anos, perderá as penas e crescerá quatro vezes o seu tamanho atual. Voltará a ser um dinosaurinho. A viagem vai de tempos recentes no futuro como cinco milhões de anos, a futuros ultra-selvagens e solitários daqui a mais 200 milhões de anos—no fim de tudo: as aranhas prateadas dominarão a Terra e os tubarões bioluminicentes continuarão os senhores das águas; ou melhor: do mar único que será o oceano, que cercará uma única porção seca de terra. O que me incomodou nisto? 1. O espírito de entretenimento. A ser produzido o programa teria que ser em tom apocalíptico, não acompanhado de música romântica. Ópera e violinos de paz tocam ao fundo. Está tudo muito bom. 2. A filosofia inerente. A vida será assim daqui a 200 milhões de anos--sem humanos--, por que, então, ser de qualquer jeito hoje? 3. A escatologia afirmada. É fatalista. Dá como certo a impossibilidade de qualquer tomada de consciência, trabalhando, portanto, contra a própria filosofia do canal. 4. A soteriologia confessada. O homem—a elite dos humanos—se salva em outra galáxia—um arrebatamento autopromovido—enquanto a Terra pertence às aranhas prateadas e os mares aos tubarões bioluminicentes. 5. A fé proclamada. O homem tomou o seu destino definitivamente em suas próprias mãos. Tudo o que haverá é tudo o que conseguirmos. Ao mesmo tempo, entrega-se o mundo atual ao serviço dos interesses imediatos, corroendo a atmosfera e destruindo os sistemas de vida e as cadeias de sinergia natural. Assim, alguns homens herdarão o reino das galáxias, mas, enquanto isto, dá-se como certo que a humanidade já acabou e que seu futuro já está profetizado. Ao final, não há a Nova Jerusalém descendo do céu adornada como noiva. Há apenas algumas naves de fuga da elite humana, que deixam para trás o lixo que a elite humana produziu. Assim, lá vão os humanos fazer mais uma ...em uma outra galáxia. Se esse é o futuro, que presente é esse? O presente é o que é. O futuro já é. Quem diz chama a si mesmo de Eu Sou! E no meu futuro a Nova Jerusalém desce sobre a Terra. Quem diz isto é Aquele que é, que era e que há de vir! Mas a voz da Discovery, de qualquer modo, precisa ser ouvida: o homem é a bomba que inviabilizará a humanidade. O Discovery consegue ver a vida se adaptando e seguindo, mas não o homem, que demonstra que a coisa mais alienígena que há na Terra é essa inteligencia malvada dos humanos, que se alimentam da ganância do imediato, e vaticinado a continuidade de uma Terra sem gente. O que isto demonstra: que a Queda do homem é um fato: sua permanencia na Tera impede a vida. Sua ausência nos daria um Terra sobrevivente, sem guerras, a não ser a dos bichos do futuro, que continuaram a caçar apenas para comer, mas não destruirão a Terra por sede de poder. Caio

Fonte: Site do Caio Fábio