segunda-feira, 23 de junho de 2014

Quando a vaia é um sinal dos céus

 



Por Hermes C. Fernandes

Já era de se esperar que a presidente Dilma fosse vaiada durante a abertura oficial da Copa do Mundo. Eu diria que aquele foi o seu batismo de fogo. Semelhante ao vivido por Lula em pleno Maracanã durante os Jogos Pan-americanos. 

Creio que exercer qualquer cargo político numa democracia demanda que estejamos preparados para qualquer tipo de reação popular. E, sinceramente, prefiro isso à censura. Todavia, penso que deveríamos ser mais civilizados. Bastava uma boa vaia e ponto. Não havia a necessidade de xingá-la daquela maneira, posto que ela seja a maior autoridade do país. Se ficou feio para ela, ficou bem pior para nós diante da audiência mundial. Demonstramos ser um povo deseducado, capaz de impropérios como aquele até diante dos nossos próprios filhos.

Apesar de xingada, Dilma segue liderando as pesquisas de opinião. Julgo que agiu bem em não retrucar na hora. Experiente, ela sabe que o povo é instável em suas opiniões. O mesmo povo que recebeu Jesus com mantos e palmas e gritos de Hosana, no dia seguinte, instigado pelos sacerdotes e membros do sinédrio, gritava no pátio de Pilatos: "Crucifica-o!" Não duvido que muitos que a vaiaram e xingaram, votarão nela nas próximas eleições. A turba age pela emoção do momento. 

Creio que é hora de Dilma fazer um balanço honesto de seu governo. Não creio que a vaia só partiu da "elite branca". Ainda que o estádio estivesse lotado de gente beneficiada pelo bolsa família, duvido muito que ela não saisse igualmente vilipendiada. 

Nem mesmo Davi, o mais importante monarca de Israel, escapou de ser hostilizado por seu próprio povo. Durante sua fuga de Jerusalém quando seu filho Absalão conspirava para tomar-lhe o trono, um homem da linhagem de Saul, cujonome era Simei, aproveitou-se do momento para sair ao seu encontro, amaldiçoando-o e atirando-lhe pedras. Sobrou até para os servos de Davi. Um dos seus homens sugeriu uma reação forte contra Simei e até ameçou arrancar-lhe a cabeça, pelo que Davi respondeu: Se meu próprio filho procura tirar-me a vida, que dirá este homem que pertence a mesma linhagem de Saul. Deixem que ele me amaldiçoe à vontade, pois isso vem do Senhor (2 Sm.19:5-12).

Outro teria dito que isso viria do diabo... Mas Davi, homem segundo o coração de Deus, sabia que nada escapava do Seu controle. Mesmo o descontentamento da turba poderia resultar numa guinada em seu reinado. 

Se Dilma souber aproveitar este momento para reavaliar sua política, quem sabe seu governo sofra também uma guinada positiva?

Apesar de ter sido duravamente vaiado no Maracanã, o fato é que Lula conseguiu fazer sua sucessora. Isso é ou não é dar a volta por cima? Concordemos ou não com sua maneira de governar, é inegável sua popularidade sem precedentes na história recente do país. 

Não sou eleitor de Dilma, mas torço para que ela acerte. Não tenho qualquer comprometimento ideológico/partidário. Só quero ver meu país e meu povo prosperando. 

O descontentamento popular é um sinal dos céus para qualquer governante. Mesmo não concordando com o xingamento em si, creio que Dilma poderá encará-lo como um desafio. Brizola já dizia que ninguém é totalmente aceito sem que antes seja totalmente rejeitado.

O texto sugere que Simei passou todo o tempo acompanhando a caravana de Davi, amaldiçoando-o e apedrejando-o. Bastava um sinal por parte do rei, e sua cabeça voaria longe. Mas o rei preferiu sofrer calado.

Depois que Absalão foi derrotado, Davi fez o caminho inverso, e retornando a Jerusalém, reassumiu o trono. Enquanto caminhava em direção a Jerusalém, o povo saiu-lhe novamente ao encontro. Só que agora a situação era bem diferente. Em vez de tristeza, havia alegria no ar, ainda que o coração de Davi estivesse em profundo luto pela morte de seu filho amado. Era chegada a hora do acerto de contas. Aquele mesmo Simei que acompanhou a caravana de Davi, apedrejando-o e amaldiçoando-o, agora saiu novamente ao seu encontro.

Simei tomou a frente de todos, prostrou-se diante do rei, e lhe disse: “Não me imputes, senhor, a minha culpa, e não te lembres do que tão perversamente fez teu servo, no dia em que o rei meu senhor saiu de Jerusalém. Não o conserves, ó rei, no coração. Pois eu, teu servo, deveras confesso que pequei, mas hoje SOU O PRIMEIRO, de toda a casa de José, a descer ao encontro do rei meu senhor” (vv.19-20).

Como disse anteriormente, o povo costuma ser instável, tanto para o bem, quanto para o mal. Quem hoje nos critica, amanhã nos elogiará. Quem hoje nos elogia, amanhã nos xingará. A vida pública se parece com uma montanha russa, cheia de altos e baixos. O que não se pode é perder o foco, o propósito.