quarta-feira, 2 de abril de 2014

O escândalo de uma graça radical


Por Hermes C. Fernandes


A graça é um insulto ao nosso senso de justiça própria. Ela subverte completamente nossa lógica fundamentada na performance e no mérito. Como entender que o Deus santo e justo poderia se relacionar com gente de nossa laia sem impor qualquer condição? E como admitir Sua disposição em aceitar em Sua companhia gente que consideramos ainda pior do que nós?

Ultrajados em nossa presunção religiosa, estabelecemos condições sine qua non que devem ser preenchidas para que pecadores iguais ou piores do que nós sejam aceitos por Deus. Em nossa mentalidade medíocre Deus faria certa concessão aos pecadores "desde que..."

Ora, se houver qualquer condição preliminar, logo, a graça é invalidada. Todas as razões para que Deus nos acolha devem estar exclusivamente n'Ele, não em nós. Portanto, o conceito de graça e o conceito de condições preliminares são mutuamente excludentes.

A lógica paulina é implacável:

"Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra." Romanos 11:6 

O problema é que quando pensamos em obras, somos remetidos às exigências da Lei. Porém, o conceito encerrado no termo "obras" é muito mais abrangente.

Sutilmente, afirmamos a graça ao mesmo tempo em que dizemos que Deus salva o pecador desde que este creia, se arrependa e obedeça aos mandamentos. Tudo isso soa tão piedoso que não percebemos sua contradição lógica.

O que é o arrependimento, senão uma obra? O mesmo pode-se dizer tanto do crer, quanto do obedecer. Se estas são condições que devem ser cumpridas para que sejamos salvos, logo, a graça se torna inútil e teremos do que nos gloriar diante de Deus. Ao chegarmos à glória derradeira poderemos dizer: "Aqui cheguei graças a algo que fiz. Fui salvo porque cri, me arrependi e obedeci."

Então, tais coisas não são importantes? Sim, são importantes, porém, não são condições preliminares para que se alcance a salvação.

Paulo põe uma pá de cau sobre qualquer pretensão humana de fazer da salvação uma conquista meritória:

"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas." Efésios 2:8-10
 Alguns dirão que a graça é parte que compete a Deus, porém, a fé é a parte que nos cabe. Porém, Paulo afirma que mesmo a fé mediante a qual temos acesso à graça nada mais é do que manifestação desta própria graça. "Isto não vem de vós", brada o apóstolo. É um dom que recebemos ao ouvirmos a Palavra. Em Filipenses 129-30, o mesmo apóstolo diz que o crer em Cristo é uma concessão celestial.
"Pois vos foi concedido, por amor de Cristo, não somente o crer nele, mas também o padecer por ele." 

Repare nisso: até mesmo o padecer por amor a Ele não nos serve como razão para nos gloriarmos, pois também é uma concessão da graça. Portanto, deveríamos crer piamente em nossa incapacidade de crer sem uma intervenção da graça.

 Então, não é necessário que nos arrependamos ou que renunciemos às paixões pecaminosas?

Sim. Mas não são condições, e sim, consequências da ação da graça em nós. Lembre-se que, apesar de não sermos salvos pelas obras, somos salvos para as boas obras, "as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas". 

Não se tratam de exigências para que sejamos salvos. Quem pensa assim não leva em conta o estado espiritual lastimável no qual nos encontrávamos. Paulo diz que estávamos mortos em nossos delitos e pecados.

"Mas Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo {pela graça sois salvos}." Efésios 2:4-5

Como exigir que um morto creia, se arrependa, renuncie a si mesmo e obedeça? Quando Cristo faz tais exigências, estava revelando a inabilidade humana em cumpri-las à parte da graça. Ele exige de nós o que não podemos pagar para depois revelar Sua misericórdia ao quitar nossa dívida. Isso fica claro na parábola do credor incompassivo.

Precisamos nos arrepender de atribuir ao nosso arrependimento um poder salvífico que ele não tem. É a graça divina que nos conduz ao arrependimento:

"Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te conduz ao arrependimento?" Romanos 2:4 
Devemos renunciar nossa pretensão em achar que somos salvos pelas renúncias que fizermos. Qualquer renúncia verdadeira é patrocinada pela graça:
"Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos, para que, renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivamos no presente mundo sóbria, e justa, e piamente." Tito 2:11-12

À luz disso tudo, podemos afirmar sem medo de errar que o "negar a si mesmo" exigido por Jesus a Seus discípulos nada mais é do que admitir nossa incompetência em atender quaisquer condições. Só nos resta apelar à graça, e aceitar que esta é a única maneira para que a glória se mantenha intacta e seja inteiramente atribuída a Deus. Simplesmente, não há no que nos gloriar diante de Deus.

Disputamos com Paulo o título de "Principal dos pecadores". Se a graça foi capaz de nos alcançar a despeito de nossa miserável condição, que outro pecador ela também não alcançaria?

Como sugerido pela parábola do credor incompassivo, uma vez perdoados, devemos estender este perdão aos demais sem impor-lhes qualquer condição.  Não imponhamos aos outros condições que não nos foram impostas. Creiamos que Aquele que em nós começou a boa obra, igualmente a começou nos demais, e a completará no prazo determinado pelo Pai (Fp.1:6).

VAMPIROS DE ALMAS COLETIVAS



Desistir do bem é algo muito fácil neste mundo. Os salmos 37 e 73 nos mostram o processo. Quando quem lidera ou tem poder faz o que é mal, os demais perdem o ânimo. Então, o justo, na modéstia de seus passos, vai perdendo o alento. E, aquele que caminha sem tanta convicção, passa a invejar aquele que faz, faz, faz e nunca é punido; antes, é honrado.

A leitura do livro do Eclesiastes é mais que útil em dias como estes! 

Quando o status do cinismo prevalece, as reações são muitas; e sutis. Desde o cinismo que se instala como câncer, à inveja que o ser bom passa a ter do mal-feitor — tudo corre como as torrentes de águas destruidoras. 

E o mal se torna tanto pior quanto mais se fale como cordeiro e se haja como o lobo. Daí a perversão do “ético” ser enormemente pior do que a do corrupto; pois destrói todas as referencias. No linguajar bíblico: “... remove os marcos”. 

Isto sem falar nas vozes que olham para os céus e pensam que Deus enlouqueceu com a loucura dos malfeitores; ou que Deus mesmo não se preocupa com tais coisas. 

“De que me serve Deus?” — pergunta a alma cansada. 

Frequentemente tem-se que escolher entre poderes. E, nesse caso, a eleição para tal escolha deve contemplar, sobretudo, o fortalecimento daquilo que não abisma a alma nacional em estado de cinismo crônico. 

E isto vai de atitudes pequenas, no âmbito de nossas vidas pessoais, passa pela “igreja” e vai até o Estado. 

De onde vem o ânimo para a honestidade quando os que nos lideram mentem e enganam? 

O argumento de que ‘rouba mais faz’, aplicado ao Maluf, agora é algo que se aplica em geral. Até em relação ao Lula e Bolsa-Família-no-Bolso. Pode? Até quando? 

Eleger um programa de governo para votar, é sábio. Mas não se pode fazer isto à custa da instalação do cinismo na alma nacional. Do contrário, os pobres comerão, mas será comida envenenada pelo sarcasmo. E o pão de hoje será o veneno de amanhã. 

Portanto, nem só de pão vive o homem, mas, sobretudo, de dignidade, confiança, respeito, e honestidade. 

Entretanto, quem divulga tais causas, não pode brincar de fazê-las menores; e nem tampouco pode fazer como o Conde fez nas disputas com o César Maia há uns quatro anos, quando disse: “Eu minto; mas o César mente mais que eu!”. 

Não se governa fazendo avaliação de menos roubo! 

O programa Bolsa Família não pode ser Família no Bolso! — o Lula repudiaria isto se o programa não fosse parte de sua estratégia política. E eu sei o que estou falando; e baseado em horas e horas de conversa com ele mesmo no passado. 

Sim! O Lula que eu conheci não votaria em si mesmo hoje! — é simples assim. 

Isto era contra tudo o que as mentes historicamente mais lúcidas lutavam — até virar populismo eleitoral em favor deles. 

Ah! Eu teria centenas de histórias e argumentos, mas, cansado de muitas “viagens”, apenas ouso dizer: “Que o Senhor nos salve de alimentarmos milhares de famílias, enquanto lhes roubamos as almas e a consciência!”. 

Assim como o pão e a Palavra alimentam o homem, do mesmo modo o pão e a dignidade também o fazem! 

Enquanto isto... Recolher-me-ei; e buscarei agir pelo não-agir. Quieto. Em oração. Afinal, eu creio que Deus é Deus; e que sobre tudo e todos reina; e que o que sinto é somente o que sinto; e nada, além disso. 

Todas as nossas causas e clamores estão diante do Trono da Graça! 

Cada um com sua própria consciência e discernimento. Mas Deus é um! 

O que não podemos é deixar de discernir o que para nós é vampiro de sangue coletivo. Pois, em trocando beijos com tais entes, nós mesmos passaremos a detestar o nascer do dia, do sol e da luz — visto que nosso ambiente será a penumbra da quase-luz e da quase-treva. 

Com todo carinho, reverência e oração por quem pensa e sente diferente, 



Caio