sexta-feira, 20 de março de 2015

Entre a Babilônia e o Jornal Nacional


Por Hermes C. Fernandes


Para começo de conversa, detesto qualquer tipo de patrulhamento, seja cultural, político ou ideológico. “Foi pra liberdade que Cristo nos libertou”. Ou não foi? Então, não me venha com esta conversa de que devemos boicotar este ou aquele programa de TV. Cada qual deve ser guiado por sua consciência, que por sua vez, deve ser iluminada pelo Espírito Santo e pelo bom senso.

Perdoem-me a franqueza, mas estou cansado da mesma ladainha como a que se ouviu no lançamento de outras novelas como a “Salve Jorge”. Porém agora, com uma agravante. O título da novela é “Babilônia”. Como um cristão poderia dar audiência a um folhetim cujo nome nos remetesse às pragas do Apocalipse? Deixar de assistir a uma novela por se chamar "Babilônia" seria equivalente a deixar de tomar um ônibus porque seu número é 666. 

Para piorar a situação, logo no primeiro capítulo, duas atrizes consagradas se beijam. Talvez se fossem duas mocinhas alguns marmanjos não se incomodassem tanto. Deixariam passar batido. Mas duas anciãs? Que pouca vergonha é essa? Não assisti à tal cena devido ao horário em que cheguei à casa. Mas deu tempo de pegar o finalzinho do primeiro capítulo, quando uma das protagonistas assassina friamente o motorista de seu marido com quem teria se envolvido sexualmente. Ninguém se queixou disso. Tirar a vida do outro para encobrir seu erro já não embrulha estômago de ninguém. Mas duas velhinhas se beijando... isso é nojento! Também não vi comentários sobre as cenas finais da última novela (Império) em que o pai é assassinado pelo próprio filho. Ninguém deu tremelique, nem protestou. 

Quão hipócritas somos! Acostumamo-nos com certas cenas violentas, porém outras ainda mexem com nossos escrúpulos e expõem as entranhas de nossos preconceitos. “Isso é pecado!”, esbravejam alguns. Mas tirar a vida de alguém também não o é?

Quando se trata de dois rapazes, o receio é que isso acabe influenciando os jovens a se envolverem sexualmente com pessoas do mesmo gênero. Há pastores cujo temor é que um de seus filhos descambe para o homossexualismo. Que baita escândalo isso não provocaria em seu ministério! A preocupação maior é com a repercussão do que propriamente com o bem-estar do filho. É claro que não estou generalizando, mas esta a conclusão a que cheguei depois de conversar com alguns. Já ouvi alguns dizerem que prefeririam ter filhos bandidos a ter filhos gays. Mas em se tratando de duas anciãs, o que isso poderia provocar? Já pensou se a moda pega e as irmãzinhas do coral resolvem virar a casaca? rs

Ora, se o que a novela apresenta nos ofende, basta trocar de canal. Só espero que adotemos os mesmos critérios para os enlatados made in USA. A gente abomina a teledramaturgia nacional, mas consome vorazmente tudo o que o cinema e os canais por assinatura oferecem. Ainda não vi ninguém se levantar no meio de um filme e deixar a sala de exibição ofendido com as imagens. No cinema, tudo entra na conta da licença poética. É como se o escurinho do cinema nos cobrisse com um manto que nos permitisse deixar do lado de fora os escrúpulos. Mas a TV, via de regra, está no centro de nossa sala de estar, lugar de passagem de toda a família. Neste ambiente, um discurso moralista cai bem e preserva nossa imagem. Santa hipocrisia,Batman!

Assisto a qualquer filme ou novela com o mesmo olhar: o de alguém que busca entender os conflitos humanos. Para mim, o que importa não é se haverá ou não nudez ou cenas de sexo ou beijos homossexuais, e sim se há uma trama bem construída que exija de mim uma atenção redobrada e o uso de mais de dois neurônios.

É de Paulo a recomendação para que vejamos de tudo, mas retenhamos somente o que for bom. Talvez alguém argumente que não há absolutamente nada de bom num folhetim de TV. Tudo vai depender do nosso olhar. Como me interesso pelo ser humano e suas idiossincrasias, sempre encontrarei algo bom, até em filme de terror.

Parte do problema é que as pessoas não conseguem distinguir entre narrativa e apologia. Um filme ou novela que tem que lançar mão de cenas gratuitas de nudez, violência ou sexo para alavancar a audiência não é capaz de despertar meu interesse. Prezo pelo conteúdo, pela construção, pelo argumento. Se enriquece a trama, tudo bem, não me incomodo. O importante é suscitar o tema, provocar debate, nos fazer pensar. 

Alguns, mais afoitos, chegam a propor o boicote da emissora por seu conteúdo supostamente imoral. Sinceramente, considero que o pior veneno que a tal emissora destila em nossos lares não é através de suas novelas, mas de seus telejornais. Não faz sentido trocar de canal durante a exibição de Babilônia depois de dar crédito a tudo o que assistiu no Jornal Nacional. Prefiro ter meus escrúpulos ofendidos a ter minha inteligência subestimada.

Fonte: Blog de Hermes C. Fernandes