sábado, 26 de dezembro de 2015

Flavio Morgenstern, sobre o livro A Mentalidade Anticapitalista de Ludwi...

sábado, 24 de outubro de 2015

O Pai é nosso quando o pão também o é



Por Hermes C. Fernandes


Pai nosso que está no céu, porém, sempre acessível a todos que o buscam. Que seu nome jamais seja profanado por aqueles que dizem representá-lo.

Que o seu reino nos encontre onde quer que estejamos, e que sua vontade  prevaleça sobre nossos projetos pessoais. 

Que a terra seja uma extensão do céu, lugar onde a justiça e o amor andem de mãos dadas.

Que o pão que nos for dado cotidianamente seja compartilhado com os demais em vez de ser guardado para o dia seguinte. Que o acúmulo de bens seja considerado o cúmulo do egoísmo, enquanto sua distribuição generosa desperte em nós a esperança de dias melhores.

Que o perdão que nos foi graciosamente concedido, seja prodigamente estendido aos demais. Que assim como fomos perdoados, possamos igualmente perdoar, sem exigir reparação. E que jamais nos aproveitemos da dívida alheia para chantagear ou tirar proveito em benefício próprio.

Não nos deixe cair na tentação de achar que somos o centro do universo, merecedores de atenção especial, agindo como se o mundo nos devesse alguma coisa. Nem nos permita ser tentação aos outros, a fim de expor sua fraqueza, e assim, justificar a nossa.

Livra-nos do mal, principalmente, daquele que possamos fazer ao próximo, mesmo que isso nos traga alguma vantagem.

Que jamais nos esqueçamos de que o Pai é nosso, e não de uns ou de outros; mas o reino é dele, e por isso, admite nele quem ele quiser, sem ter que dar satisfação a ninguém. Seu reino é infinitamente maior do que o perímetro que nossa espiritualidade egoísta nos permite ver. O pão é nosso, mas o poder de concedê-lo pertence a ele. Se este poder nunca cessa, sua provisão também jamais faltará. Que desculpa teríamos para acumular em vez de repartir? Que justificativa haveria para a nossa ganância e cobiça? A dívida perdoada era nossa, e nada fizemos para merecer seu perdão. Os méritos são dele. Logo, a glória deve ser atribuída inteiramente a quem de direito.  Dele foi a iniciativa, e a ele caberá a finalização. Ele é o início e o fim. A nós, seus filhos, cabe a alegria de sermos o meio, o canal através do qual sua superabundante graça alcance também os demais. 

Se o Pai, o pão e o perdão são nossos, então, somos todos irmãos. 

Que assim seja.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O Evangelho Quântico e o rompimento da lógica linear
















Por Hermes C. Fernandes



Uma das mais surpreendentes passagens do Novo Testamento é a que narra o episódio da ressurreição de Lázaro (Jo.11:1-57). Cada vez que retorno a ela, deparo-me com algo que não havia percebido antes.  É como se a cada camada explorada, fôssemos desafiados a ir ainda mais fundo.

É notório que uma das diferenças entre a narrativa de João e a dos evangelhos sinópticos é que o discípulo amado parece subverter a ordem cronológica dos fatos. Um dos exemplos disso é a purificação do templo, situada por João logo no início de seu evangelho, enquanto os demais evangelistas a situam quase ao fim de suas narrativas. Era como se João, por uma inspiração divina, percebesse que a história nem sempre é linear como imaginamos. Nela também se pode aplicar a lógica da mecânica quântica, onde, às vezes, os efeitos precedem as causas, ou ao menos, podem interferir nelas. Já que os evangelhos creditados a Mateus, Marcos e Lucas são chamados de sinópticos, tomo a liberdade de chamar João de “o evangelho quântico”.

Ao contar-nos o episódio envolvendo uma das famílias mais queridas por Jesus, João parece agir como um spoiler, antecedendo fatos que só seriam narrados na sequência do texto. Nenhum escritor em sã consciência faria isso. Seria como estragar a surpresa. Imagine começar um filme de suspense revelando de cara o maior mistério da história que se pretende contar. É como assistir a um filme ao lado de quem já o assistiu e ter que ouvi-lo descrever as cenas que ainda virão. Porém, estou convencido de que João não era um spoiler. O que ele faz é subverter a lógica linear da história, como quem quisesse deixar nas entrelinhas que somos mais influenciados pelo futuro do que propriamente pelo passado.

João começa o capítulo onze de seu evangelho informando que “estava enfermo um homem chamado Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta. E Maria, cujo irmão Lázaro se achava enfermo, era a mesma que ungiu o Senhor com bálsamo, e lhe enxugou os pés com os seus cabelos” (Jo.11:1-2). Aquele bálsamo deveria ter sido usado em Lázaro. Mas Maria preferiu guardá-lo para usá-lo em Jesus. Por esta razão, Lázaro cheirava mal com apenas quatro dias de sepultamento. Defendendo-a por aquele inusitado gesto, Jesus diz que ela se antecedeu a ungi-lo, preparando-o para ser sepultado, já que, ao ser removido da cruz, não haveria tempo suficiente para prestar-lhe as devidas honras, devido à proximidade do sábado judaico. No domingo, quando outra Maria amanheceu no sepulcro para embalsamá-lo, teve a grata surpresa de não encontra-lo mais ali.

Dentro de uma cronologia convencional, primeiro se morre, para depois ser embalsamado. A irmã de Lázaro subverteu a ordem linear, ungindo Jesus dias antes que fosse sepultado. Talvez ela nem sequer tivesse ideia do que significava seu gesto. Digamos que ela tenha sido atraída por uma força vinda do futuro. E não é justamente isso que faz a fé? Ou não é a fé a certeza de coisas que se esperam e que, portanto, se insinuam no horizonte do futuro? Portanto, o que deveria influenciar nossas ações não é o passado, tampouco as demandas do presente, e sim “os poderes do mundo vindouro” (Hb.6:5).

Assim que recebeu a notícia de que Lázaro, seu amigo, a quem tanto  amava, estava enfermo, Jesus simplesmente se manteve no mesmo lugar. Era de se esperar que saísse correndo no afã de impedir que seu amigo morresse acometido daquela grave enfermidade. Mas para surpresa dos Seus discípulos, Jesus não moveu uma palha. Obviamente, isso não significava que Jesus não Se importasse. O texto faz questão de frisar que Ele amava, não somente a Lázaro, mas também às suas irmãs.

O fato de nos amar não significa que seremos poupados de certas adversidades. Por conhecer o futuro, Ele sabe exatamente como cada situação em nossa vida contribuirá para que logremos alcançar a glória derradeira.

Alguns até poderiam supor que Jesus estivesse evitando voltar àquela região devido à animosidade dos judeus que estavam dispostos a apedrejá-lo. Depois de dois dias, ao anunciar Sua decisão de finalmente visitar a Lázaro que já estava morto, Tomé, que já mostrava seu caráter incrédulo, comentou maldosamente: “Vamos nós também, para morrermos com ele.” Tomé era o típico homem preso à lógica linear da história. Para ele, o fato de Jesus não haver poupado a Lázaro da morte indicava claramente que também não os pouparia.  

Quem insiste em enxergar a vida deste prisma, está sempre com um pé atrás. Sua lógica é: se aconteceu uma vez, certamente acontecerá de novo. Suas atitudes são respaldadas pela Lei de Murphy e não pela Lei da Fé. Eles primeiro precisam ver para crer. A experiência lhes guia pela jornada da existência. Falta-lhes a disposição de dar o salto da fé. A mesma encontrada em Pedro, cuja experiência não lhe rendeu a pesca desejada, mas que aceitou o desafio de lançar sua rede sobre a Palavra, resultando numa tão grande quantidade de peixes que quase lhe afundou o barco.

A resposta de Jesus a Tomé e cia foi, no mínimo, enigmática:
Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; mas se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz.
Com efeito, Jesus estava dizendo: Não estou dando um tiro no escuro. Eu sei exatamente o que estou fazendo. Quando se vislumbra o futuro, atenua-se o papel das circunstâncias momentâneas. Por isso Jesus afirmou que Lázaro estava dormindo e que iria despertá-lo. Como Seus discípulos não entenderam, Jesus teve que desenhar: Lázaro morreu! E que bom que vocês não estavam lá quando ele morreu, pois isso os impediria de crer. Agora está explicado. Jesus não se apressou a visitar Lázaro, porque não queria que os discípulos o vissem morrer.

Nossa memória é o que nos liga ao passado. Nossos sentidos nos ligam ao presente. Mas é a fé que nos remete ao futuro. Não dá para viver pelos sentidos e pela fé ao mesmo tempo. Daí Paulo dizer: "Andamos por fé e não por vista" (2 Co.5:7).

Ao chegar a Betânia, Marta saiu-Lhe ao encontro, enquanto Maria permaneceu em casa sentada. Talvez Maria pretendesse extrair outro elogio do mestre, como o que recebera em outra ocasião, quando sua irmã, agitada como sempre, trabalhava, e ela mantinha-se sentada ouvindo atentamente o que Jesus dizia. Aparentemente consternada, Marta se dirige a Jesus, dizendo: "Senhor, se estivesse aqui, meu irmão não teria morrido." Seria esta uma confissão de fé ou uma declaração de desapontamento? Ou seria a mescla das duas coisas?

Ouçamos o que ela diz em seguida: “Mesmo agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Ele te concederá.” Percebe-se que, mesmo depois de quatro dias, Marta não perdeu a esperança. Foi por isso que ela e sua irmã combinaram de não embalsamar a seu irmão. Provavelmente, ninguém sabia disso, nem mesmo os judeus que as visitavam naquele momento de luto profundo. Seria uma vergonha deixar de dar a honra devida a um familiar morto. Era comum que cada família trabalhasse para manter em casa uma quantidade razoável de bálsamo para o caso de um dos membros vir a falecer. Custava o equivalente a um ano de trabalho.

Ninguém pode acusar Marta de não ter esperança. Todavia, sua esperança parecia arremeter-se a um futuro distante, muito além do horizonte existencial. Tratava-se de uma esperança escatológica. Quando Jesus anuncia que seu irmão haveria de ressurgir, Marta responde incisivamente dentro de uma perspectiva escatológica cem por cento acertada: “Eu sei que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia.”Portanto, ninguém jamais poderá acusá-la de heresia. Sua confissão de fé estava correta. Seu credo estava dentro dos limites da ortodoxia. Porém, em ambas as declarações, Marta se revela refém.

Na primeira declaração, ela se mostra refém do futuro do pretérito"Se o Senhor estivesse aqui, meu irmão não teria morrido." Não se trata de estar presa ao passado. No fundo, o passado não aprisiona ninguém. O que nos cativa é o futuro do pretérito, um tempo que só existe em nossa imaginação. Se no presente conjugamos o verbo ser dizendo “eu sou”, no futuro do indicativo dizemos “eu serei”, no passado dizemos “eu fui” ou “eu era”, no futuro do pretérito dizemos “eu seria”. E é assim que ficamos presos no limbo da existência, imaginando como teria sido algo se não houvesse ocorrido isso ou aquilo.

Já que ainda não inventaram a máquina do tempo, nada há que possamos fazer para alterar o que se passou. Em vez de ficar nos lastimando pelo ocorrido, devemos buscar ressignificar eventos passados à luz do presente e do porvir. Nada acontece em vão. Tudo serve a um propósito que, ainda que o desconheçamos hoje, um dia há de nos ser revelado. Como bem disse Jesus a Pedro: O que faço agora, não entendeis, mas compreendereis depois. Quando todas as peças do mosaico estiverem devidamente encaixadas, uma figura emergirá dele, e tudo, finalmente, fará sentido. Ou vivemos por fé com olhos voltados para o futuro, ou vivemos presos ao futuro do pretérito, gastando nossas energias a nos lamentar.

Na segunda declaração, Marta se revela confiante em fatos que estariam para além desta existência. Tal confiança tem o potencial de nos alienar. A fé sadia não apenas nos remete ao futuro, mas patrocina a inserção do futuro no presente. Os peixes que caíram na rede de Pedro foram trazido para o barco e do barco trazidos à praia. Não se pode vislumbrar o futuro e deixá-lo lá mesmo. A vontade de Deus feita no céu, deve ser igualmente feita na terra. O presente deve ser copulado pelo futuro. Somos, por assim dizer, o cupido que promove este encontro fecundo entre o futuro e o presente.

Se nosso presente não estiver grávido do futuro, ele estará grávido do passado e isso equivaleria a um tipo de incesto existencial.

Em vez de elogiar a ortodoxia presente na declaração de Marta, Jesus lhe responde:

Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês isto?

Em Cristo, eventos futuros se fazem presentes. Ele os atualiza, puxando-os em nossa direção como um pescador que gira a manivela de sua vara, trazendo-nos o peixe que mordiscara sua isca.

Marta lhe dá uma resposta teológica: Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo.” Pelo jeito, ela tinha respostas ensaiadas na ponta da língua, mas talvez não se desse conta das implicações de tais verdades. A gente repete feito papagaio o que outros nos disseram, mas não entende o sentido do que se diz, tampouco do que se crê. 

Não foi daquela vez que Marta conseguiu a proeza de sua irmã ao ser elogiada pelo mestre. Por isso, Marta sai à francesa, vai ao encontro de sua irmã e cochicha em seu ouvido: O Mestre está aí, e te chama.

Jesus continuava estacionado na entrada da aldeia, no lugar onde encontrara Marta, quando Maria se aproximou ofegante por causa da corrida que dera, deixando os judeus que a visitavam assustados. Ao vê-lo, Maria se lançou aos Seus pés, repetindo a mesma ladainha dita por sua irmão: “Senhor, se tu estiveras aqui, meu irmão não teria morrido.”

A declaração era basicamente a mesma, porém, a reação de Jesus foi totalmente diferente. Ele não argumentou com Maria da maneira como fez com sua irmã. A diferença era que o Marta dizia com olhos enxutos, Maria repetia com os olhos encharcados. Marta dizia o que havia decorado. Maria dizia o que partida do seu coração. O tom de Marta era o de acusação. O de Maria era o de desabafo sincero.

Jesus, pois, quando a viu chorar, e chorarem também os judeus que com ela vinham, comoveu-se em espírito, e perturbou-se, e perguntou: Onde o puseste? Responderam-lhe: Senhor, vem e vê. Jesus chorou.

Como ler isso e não se emocionar? Quem jamais poderia supor que lágrimas humanas pudessem perturbar o Criador? Mesmo sabendo o desfecho daquela história, Jesus não estava emocionalmente blindado.

Por muito tempo, os teólogos têm discutido como um Deus conhecedor do futuro poderia se deixar comover pelo sofrimento humano? Algumas teologias conceberam um deus tão, tão poderoso que tornou-se asqueroso, pois revela-se incapaz de se compadecer de nossas misérias.

Como conciliar isso? Como resolver este aparente paradoxo?

O Deus que é, e que, portanto, está para além da existência, mergulhou de cabeça na história, de modo que pudesse perfeitamente se compadecer de nós (Hb.4:15). O grande “Eu sou” não tem passado, nem presente, nem futuro. Ele não existe. Ele simplesmente é. Ele transcende a existência. Porém, em Cristo, Deus Se humaniza, Se historioriza adentrando o tempo e o espaço. De sorte que, agora, Ele tem história, passado, presente e futuro. Se antes, Ele Se apresentava como o “Eu sou” (Êx.3:14), agora Ele Se apresenta como “Aquele que era, que é e que há de vir” (Ap.1:8), “o mesmo ontem, hoje e sempre” (Hb.13:8).  

Em Cristo, Deus existe! Ele Se tornou um de nós! Por isso, Ele não apenas tem misericórdia de nós, mas também Se compadece. Ele sente nossas dores e chora nossos dissabores. O Deus Todo-Poderoso agora Se revela vulnerável ao sofrimento humano. Eis Sua fraqueza. Eis Sua loucura infinitamente mais sábia que toda nossa vã sabedoria. O Todo-poderoso também é o Todo-amoroso.

Diante daquela inusitada cena, os judeus deixaram cair suas pedras e comentaram entre si: Vede como o amava. Mas alguns deles disseram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também que este não morreste?” Sempre haverá quem não se contente com qualquer que seja a demonstração de amor. Esses preferem o espetáculo sensacionalista. Ainda estão presos no limbo do futuro do pretérito.

Sem dar a mínima para isso, Jesus comoveu-se outra vez, mas agora, de maneira ainda mais profunda. Chegando-se ao sepulcro, pediu que lhe removesse a pedra que o selava.

Num descuido, Marta confessa em alto e bom tom: “Senhor, já cheira mal, porque está morto há quase quatro dias”. Por que digo que aquilo foi uma confissão pública? Porque até àquele instante, ninguém supunha que as irmãs do defunto o haviam privado das honras devidas representadas pelo embalsamento.

Jesus responde a Marta: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?

Ora, se você se der o trabalho de ler o texto inteiro, verificará que em nenhum momento Jesus aparece dizendo isso a Marta. Terá sido uma falha na narração de João? Creio que não. Prefiro acreditar que Jesus tenha dito isso quando ela lhe virou as costas para chamar sua irmã. Marta era do tipo que gostava de ter a última palavra em qualquer questão. Tão logo confessou crer que Jesus era o Cristo, virou-lhe as costas sem dar atenção ao que Ele ainda diria. De fato, Ele disse, mas ela não ouviu. Quantas coisas Ele também não nos tem dito no dia-a-dia, mas não lhe temos dado a atenção merecida?

A gente prefere uma leitura superficial, atrelada ao senso comum, comprometida em manter-nos em nossa zona de conforto. Somos seletivos dando ouvidos ao que nos conforto, mas não ao que nos confronta e desafia.

Com a pedra do sepulcro removida, Jesus levantou os olhos ao céu e disse“Pai, graças te dou, porque me ouviste.

Mais uma vez Jesus subverte a lógica linear da história. Ele agradece ao Pai por já ter ouvido uma oração que Ele ainda faria. Mesmo estando entre nós, Ele continua enxergando para além do horizonte dos fatos históricos. Para Ele, o futuro já é. Ele é o que chama a existência as coisas que não são como se já fossem (Rm.4:17). Tomando um barco como analogia, podemos dizer que os sentidos nos ancoram na realidade, impedindo que naveguemos, os sentimentos nos fazem tocar a mesma realidade, porém, sem nos prender a ela, mas é a fé que nos provê as velas que nos fazem avançar mar a fora. Não podemos nos privar dos sentimentos, sob pena de nos tornarmos seres apáticos e alienados. Mas também não podemos nos privar da fé, sob pena de sermos vendidos ao desespero ou ao cinismo.

Depois de agradecer ao Pai, Jesus clama em alta voz dirigindo-se ao túmulo: Lázaro, vem para fora! Não foi preciso falar mais de uma vez. Vir para fora é um convite a nos tornarmos igreja (grego = ekklesia = tirados para fora). Não fora da realidade, o que seria alienação. Mas voltada para fora de si mesma, isto é, para o mundo à sua volta. Engajada na história, porém, comprometida com a eternidade.

Apesar de atender ao chamado que ecoou em seu sepulcro, Lázaro saiu com os pés e as mãos enfaixados e seu rosto envolto num lenço. O que o diferenciava de uma múmia egípcia era o fato de não ter sido embalsamado. Mesmo vivo, continuava preso. Caberia aos seus discípulos, dentre os quais estavam Marta e Maria, desatá-lo e deixá-lo ir.

Desafio semelhante é o que enfrentamos em nossos dias. Há muitos que foram regenerados, tendo experimentado o poder da ressurreição, mas que estão atados pelas tradições mofadas que lhes foram legadas. O que esta geração de cristãos precisa não é uma novo avivamento, mas de um desatamento.

Deixem Lázaro em paz! Ele precisa de um banho! Não precisa chantageá-lo para que siga a Jesus. O mesmo que o ressuscitou o atrairá a Si com o poder do Seu amor. O fato é que, no dia seguinte, Marta e Maria resolveram dar um banquete para Jesus, e adivinha quem estava sentado à mesa? Lázaro! Foi nesta ocasião que Maria quebrou o protocolo e derramou em Jesus o bálsamo que deveria ter sido usado em seu irmão. E é aí que a história começa...

domingo, 6 de setembro de 2015

A ética


Nossa época se caracteriza por uma propaganda desenfreada da ignorância e da má-fé, levada por espíritos obscuros e destrutivos, em combater a ética, em combater a moral, no seu genuíno sentido, com o intuito de favorecer aos que desejam destruir todos os laços mais profundos, que unem os seres humanos, tornando-os, afinal, apenas utensílios de uma grande máquina social, representada pelo Estado político, utilizados para produzir em benefício de alguns, que são os eternos beneficiários do poder. .
Surgem falsas idéias sociais, que pregam a união dos homens e dos povos, mas, entre seus defensores, dominam os espíritos malignos de ignorantes, auto-suficientes e mórbidos ressentidos, que lutam, não a favor do homem, mas contra este, lançando a desconfiança sobre as virtudes fundamentais, as virtudes cardeais, cuja ausência não permitirá uma soeie-dade justa e bem fundada

Fonte: Práticas de oratória de Mario F.Santos

sábado, 5 de setembro de 2015

O dia é um escândalo, a noite é um segredo.




"O dia é um escândalo, a noite é um segredo. De dia, vê-se o que há, de noite o que se sonha. De dia, vêem-se os palácios, as cidades, a pompa, o luxo e a soberbia dos homens.' A noite cobre com sua mão invisível o espetáculo de nossa grandeza para que possamos levantar-nos um pouco sobre a nossa miséria. O dia apresenta-nos por toda parte a opulên-cia, o luxo, os sorrisos equívocos, os olhares atrevidos, as vestes brilhantes: numa palavra, a superfície de nosso ser nos vai dizendo a cada passo: "Eis aqui o homem." A noite, desatando o fio misterioso de nossos sentimentos e de nossas idéias, nos diz: "Eis aqui a alma." De dia, vê-se a terra; de noite, o céu. De dia trabalha-se, de noite vive-se. De dia o negócio, a oficina, o colégio; de noite, o amigo, o amante, a família. O dia fêz-se para a matéria, a noite para o espírito. De noite é quando o homem se encontra frente a frente consigo mesmo. De noite é quando faz suas terríveis visitas o remorso; de noite é quando as recordações se levantam da sepultura do esquecimento como sombras evocadas por uma conjuração; de noite é quando o homem se adivinha, sente-se, fala consigo mesmo e se reconhece.
A noite é um espelho no qual se olham tranqüilamente os corações perversos.
De noite joga com nossos espíritos essa multidão de idéias incompreensíveis que vagam pelo mundo misterioso da inteligência, sem haver encontrado ainda a sua forma.
De noite, por fim, é quando a alma se levanta sôbre^a terra, como o perfume sobre as folhas.
De dia vegeta-se, de noite medita-se.
O homem disfarça-se, ao amanhecer, de vizinho, de cidadão, de autoridade, de escritor, de artesão, de amigo, de amante, de vagabundo, de safado, ou de banqueiro.
Por isso de dia tudo se converte em brincadeiras, brigas, enganos, algazarra, tumulto, confusão, brilho e movimento. De noite, tira o disfarce e fica o homem. Por isso, de noite, tudo é sério, silencioso e solene."
JOSÉ SELGAS

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Política



"Revela-se, desde a nossa vida biológica, como no proceder de nossa vida psicológica, que há um governar do todo sobre as partes. E não só encontramos essa governação na vida biológica e psicológica do homem, mas também na sociedade humana, onde as partes funcionam segundo normas que são dadas pela totalidade. A política é uma arte de governar, mas uma arte que de outras se distingue por características especiais, que a tornam inconfundível..."
A política é a arte de governar, que harmoniza os interesses privados com o público; que a política, por ter necessariamente de ser harmônica, toda desarmonia, observada numa colectividade, é produto da má acomodação dos diversos interesses, etc.
Mário F.dos Santos

terça-feira, 1 de setembro de 2015

CONFORTOS, FAMA, VIAGENS E FROUXIDÃO EXISTENCIAL...


Quando eu era jovenzinho ouvia nas igrejas que o Comunismo tinha concluído que a melhor maneira de vencer o Capitalismo seria estimulando o estilo de vida capitalista, especialmente o lazer adoecido pelas drogas como “viagem”.

Obviamente que aos meus ouvidos de 14 anos de idade isso soava como ameaça, posto que nas igrejas o Capitalismo fosse a doutrina econômica de Deus e o Comunismo a do diabo. Além disso, eu sabia que existia também o desejo eclesiástico de fazer a juventude pensar que a cada baseado ou ácido [...] se estava chamando o “diabo do comunismo” para as nossas vidas.
Esqueci o assunto para sempre [...], até há pouco tempo atrás, quando vi um documentário sobre “Drogas Alucinógenas”, e em meio a tudo [...] lá se dizia justamente algo a respeito da KGB ter estimulado no passado o uso de LCD a fim de “alienar a juventude americana e internacional”...
Hoje, vendo um clipe musical na Vem e Vê TV e que foi feito pela Vinde, com letra minha e musica do Josué Rodrigues, e que compus a fim de estimular aCampanha Contra a Fome, do meu amigo Betinho, e que teve em mim um dos mais ardorosos proponentes e guerreiros do projeto na década de 90, lembrei das idéias conspiratórias das igrejas na minha juventude...
Isto porque [no clipe] vi muitos cantores gospel cantando juntos a minha musica, ao estilo “We are the World”, em um tempo quando eles todos ainda eram muitos puros e inocentes em relação ao que a maioria se tornou depois...
Os CDs, os DVDS, as paradas de sucesso, os contratos ricos, os Halls da Fama para eles criados, os cachês milionários, e, a reboque, as mulheres ou os muitos namoradinhos ou amantes, muito pó para animar os aleluias, muita vaidade para ungir o show — acabaram com eles todos...
Então me lembrei que ontem ao ver um filme sobre o radicalismo islâmico [...] pensei que o que de “melhor” poderia afetar a pulsão suicida de muitos dos que naquele meio fanatizado se oferecem para o martírio ou para a loucura terrorista [...], seria dar a ele todos os confortos dos veados dos meninos e meninas ocidentais...
Sim, se alguém deseja acabar com o terrorismo e com os homens bomba [...], basta que se faça um derrame de luxos, confortos e banalidades ocidentais sobre eles...
Sim, é fazer o território Palestino ou qualquer outro do mundo islâmico mais fanático [...] receber as desgraçadas benesses dos nossos adoecidos e enfraquecedores confortos, que, logo, logo, os guerrilheiros de hoje se tornarão os veadinhos de amanhã.
Sim! Já imaginou os jovens terroristas de hoje tendo cada um o seu DVD musical e seu status de artista do Islã?...
Rapidinho todo mundo viraria Infeliciano! Rsrsrs!
Assim, a esta geração se diz:
Jovens, eu vos escrevi porque sois frouxos, a Palavra de Deus morreu em vós e tendes vos dado avidamente ao Maligno!”
Por isto digo:
SOMENTE UM GRANDE PERRENGUE PODE SALVAR A ALMA DOS CRISTÃOS DO ESTADO DE AFETAMENTO FROUXO E ENFRAQUECIDO NO QUAL A ALMA DOS CRISTÃOS SE COLOCOU!
Pense nisso!

Caio

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Você tem certeza que ama ou é amado?


Por Hermes C. Fernandes


“O amor... não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade.” 1 Coríntios 13:5-6

Entre toda de descrição que Paulo dá acerca do amor, esta pequena porção capta minha atenção de maneira especial. Aqui são apresentadas seis características que, a meu ver, autenticam o amor.

Primeiro, o amor não se porta de maneira indecente, apelativa, inconveniente. Seu propósito jamais foi ferir os escrúpulos de quem quer que seja. Respeita-se a subjetividade alheia, seus valores morais, suas preferências. Desprovido desta característica, o amor se tornaria um insulto. Não se pode confundir a intimidade promovida pelo amor com invasão de privacidade. A comunhão entre seres não atenta contra a dignidade e individualidade, antes, as preserva.

Nossos interesses devem estar abaixo do interesse de quem se ama. Temos o direito de expor nossos desejos, sem, contudo, impô-los, antes, fazendo-os passar pelo crivo do outro. O outro sempre terá a última palavra. Caso esta não expresse a nossa própria vontade, isto não será motivo de irritação. Afinal, a felicidade do amado sempre tem primazia sobre a satisfação do amante.

Na maioria das vezes, a irritação ocorre quando nutrimos expectativas sobre-humanas de alguém, impossíveis de serem correspondidas. Quem ama se nega a irritar-se por reconhecer suas próprias limitações no outro, ainda que reveladas em áreas distintas.

O desprovido de amor sempre suspeita mal do seu semelhante. Se este demonstrar bom caráter, suspeita-se de sua integridade: “Ele não é tão bom quanto parece! Deve estar escondendo algo”. Se for criativo e inteligente, suspeita-se de sua autenticidade: “Duvido que a ideia tenha sido dele. provavelmente copiou de alguém”. Se for próspero, suspeita-se de sua honestidade: “Deve ter roubado ou trapaceado”. Se for generoso, suspeita-se de sua motivação: “Deve querer algo em troca”. Porém, o verdadeiro amor jamais suspeita mal, nem perde seu tempo procurando chifres em cavalos. Em vez disso, ele aposta na integridade, autenticidade, honestidade e na boa motivação do outro, sem buscar qualquer razão para duvidar.

É insuportável conviver com quem suspeita de tudo e de todos. Quando não acusa diretamente, faz insinuações infundadas, atentando contra a credibilidade do outro. Quem ama, buscará preservar a reputação do seu semelhante.

Semelhantemente, quem ama jamais torce contra o outro, nem comemora a sua derrota, sentindo-se vindicado e deixando escapar um “bem feito!”. E, se porventura, o outro alcançar algum êxito, quem ama não o invejará, tampouco se sentirá traído por Deus ao permitir isso. Caso tenha sido ofendido e perdoou, seu perdão será validado pela alegria que sentirá assistindo à vitória de quem o ofendeu. 

domingo, 30 de agosto de 2015

Música


Música (de Musiká, cuja raiz vem do egípcio moys água,como símbolo das vibrações, pois o universo é um conjunto de vibrações heterogêneas, para os egípicios. A música era a arte suprema, por ser aquela que nos faz captar as vibrações, penetrar mais
diretamente no simbolizado. Daí vem o termo Moysés, o salvo das águas, o que vem das águas, o que recebe o influxo das vibrações suprema, o eleito).

sábado, 29 de agosto de 2015

Só para os íntimos...



Por Hermes C. Fernandes

“Jardim fechado és tu, minha irmã, esposa minha, manancial fechado, fonte selada.” 
Cânticos 4:12


Nossa vida é dividida em três esferas: a pública, a privada e a íntima.

A esfera pública é aquela à que todos têm acesso. Nela desenvolvemos alguns dos nossos papéis sociais mais importantes, tais como empregado ou empregador, chefe de família/dona de casa, professor ou aluno, cidadão, consumidor, etc. Estamos constantemente sendo avaliados pelos que nos cercam. Por isso, devemos tomar os cuidados necessários para que nosso comportamento não comprometa o nosso testemunho.

Porém, estabelecemos um perímetro e dizemos: Daqui ninguém passa, a menos que seja permitido. Trata-se, portanto, da esfera privada. Nunca época em que nossas vidas ficam expostas nas redes sociais, e somos vigiados 24 horas por dia através de câmeras espalhadas pela cidade, nunca se valorizou tanto a privacidade. Pode-se dizer que ela tem se tornado artigo de luxo. 

Há uma cerca que delimita a fronteira entre as esferas pública e privada de nossa vida. Apesar de nem todos serem bem-vindos, alguns se aproveitam das brechas da cerca para nos espreitar. Trata-se da prática do voyeurismo social. Querem saber como vivemos, como nos relacionamos, o que consumimos, etc.

Nossa vida privada deve ser como um jardim fechado. E será nesta esfera que faremos a triagem através da qual selecionaremos quem deve ter acesso à nossa intimidade.

Se a privacidade é guardada por cercas, a intimidade deve ser guardada por paredes bem espessas, mantida numa espécie de cofre à prova de invasão.

Nossa intimidade equivale a uma fonte selada, inacessível a quem não for convidado a dela desfrutar. Se para entrar na esfera privada precisa-se permissão, para entrar na esfera da intimidade requer-se convite. A intimidade é valor que não se pode violar, tão pouco negociar. 

Ninguém deverá saltar da esfera pública para a intimidade sem passar pela privacidade.

Alguns critérios devem ser respeitados antes que alguém se introduza em nossa intimidade.

Não há intimidade sem liberdade, nem liberdade sem confiança, nem confiança sem comprometimento, nem comprometimento sem amor, nem amor sem conquista. Quando falta confiança, os alicerces da intimidade vêm abaixo. E só há confiança legítima, havendo amor. Pode-se dizer que amor e confiança são os dois querubins que guardam nosso jardim.

A intimidade é, por assim dizer, a coroação do amor. Intimidade sem amor nos faz sentir usados. Amor sem intimidade nos faz sentir desperdiçados.

Um dos maiores empecilhos à intimidade é a timidez, que consiste num bloqueio que nos torna inacessíveis. A timidez sugere que não queremos nos dar a conhecer. Preferimos o isolamento, a alienação. Ilhamo-nos em nosso mundo particular, contentando-nos com nosso narcisismo. Achamo-nos auto-suficientes. Bastamo-nos. 

Por isso os tímidos encabeçam a lista dos que não herdam o Reino (Ap.21:8), pois são incapazes de abrir-se ao outro. Sua intimidade é preservada ao custo da comunhão.

A timidez é uma represa que precisa ser rompida para que o amor flua com liberdade levando-nos a desaguar no mar da comunhão.

A timidez revela que estamos mais preocupados em nos preservar do que em promover a felicidade do outro.

Portanto, abramo-nos à comunhão, deixando de lado o que nos distancia uns dos outros. Porém, sejamos seletivos para com aqueles que desfrutarão de nossa intimidade. Que conquistem antes nossa confiança e revelem em gestos e palavras a sua lealdade.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Pergunta idiota, tolerância zero!


Por Hermes C. Fernandes


O mesmo Jesus que tratava cordialmente àqueles que eram considerados os párias da sociedade, revelava-se diametralmente enérgico no trato dispensado aos religiosos de sua época. Basta uma conferida nos adjetivos nada amistosos que usava em referência a eles. O preferido deles era, sem dúvida, “hipócritas”

Entre as principais facções religiosas da época, duas se destacavam por sua rivalidade: os fariseus e os saduceus. Os fariseus eram a ala conservadora, fundamentalista, enquanto os saduceus eram a ala progressista, liberal. Jesus não se alinhava ideologicamente com nem uma das duas. Se alguém perguntasse de que lado estava, Jesus certamente responderia mais ou menos como respondeu aos discípulos enviados por João Batista para testá-lo: “Aos pobres é pregado o reino de Deus.” 

Mateus relata um episódio em que os saduceus se aproximaram d’Ele para suscitar uma discussão acerca da ressurreição (Mt.22:23-46). Em vez de irem direto ao ponto, preferiam apelar a uma pergunta capciosa. 
“Mestre, Moisés disse: Se morrer alguém, não tendo filhos, casará o seu irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu irmão. Ora, houve entre nós sete irmãos; e o primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo descendência, deixou sua mulher a seu irmão. Da mesma sorte o segundo, e o terceiro, até ao sétimo; por fim, depois de todos, morreu também a mulher. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será a mulher, visto que todos a possuíram?” 
Parece que ouço o cochichar de alguns deles: Quero ver se ele vai se sair dessa!  Sem papas na língua, Jesus respondeu: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Porque na ressurreição nem casam nem são dados em casamento; mas serão como os anjos de Deus no céu. E, acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos.” 

Pergunta idiota, tolerância zero! Não basta conhecer as Escrituras e continuar subestimando o poder de Deus. Nem basta considerar o poder de Deus, ignorando o que dizem as Escrituras, tanto em suas linhas, quanto em suas entrelinhas. As Escrituras visam revelar a vontade geral de Deus, mas não podemos supor que Ele seja refém das mesmas. Ele segue agindo com absoluta soberania e autonomia, sem ter que dar satisfação a quem quer que seja. Portanto, não perca seu tempo buscando enredá-lo com seu parco e modesto conhecimento bíblico. 

O problema não são as Escrituras em si, mas nossa compreensão prejudicada por nossos pressupostos e preconceitos. Na resposta dada por Jesus aos saduceus, fica claro que certas instituições que vigoram desde a criação, perderão sua validade quando adentrarmos os portais eternos. Ninguém vai levar certidão de casamento para o céu! Todavia, laços terrenos serão substituídos por laços eternos. 

As multidões ficaram maravilhadas com a resposta de Jesus. Quando os fariseus viram que Jesus calou os saduceus, seus arquirrivais, reuniram-se imediatamente. Posso imaginar o papo entre eles: Viram o que Ele fez com os saduceus? Será que Ele é dos nossos? Se não é, que tal trazê-lo para o nosso lado? 

Ao vê-los reunidos como abutres sobrevoando a carniça, Jesus se aproximou e perguntou-lhes: “Que pensais vós do Cristo? De quem é filho?” Eles responderam unânimes: “De Davi!” 

Bingo! A resposta estava... exata! Pronto. Já podiam ser recrutados como discípulos. Ou será que não? Será que basta ter as respostas certas? Basta ter uma teologia correta? Basta seguir a ortodoxia? Basta repetir feito papagaio o que dizem os compêndios teológicos? Se Jesus houvesse escolhido um lado, teria optado pelo o que tinha a melhor teologia? 

Quando eles esperavam um tapinha nas costas, Jesus se vira e diz: “Como é então que Davi, em espírito, lhe chama Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés? Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é seu filho?” 

Os saduceus devem ter comemorado. Pau que dá em saduceu, também dá em fariseu. A questão levantada por Jesus tinha como objetivo mostrar que as coisas não são tão simples como parecem. Nem tudo é preto no branco. Cada questão tem sua complexidade, apesar de nem sempre atentarmos para isso. A partir daí, ninguém mais se atrevia a fazer qualquer pergunta. Em vez disso, começaram a tramar contra Sua vida. 

A propósito, Jesus jamais se sentiu ofendido por alguém expor suas dúvidas e questionamentos. O problema era quando as perguntas tinham como objetivo expor uma suposta contradição a fim de ridicularizá-lo e minar Sua credibilidade.

Numa das mais calorosas discussões que tivera com os fariseus (Jo. 8:39-49), estes apelaram à sua ancestralidade: “Nosso pai é Abraão!” Sem se intimidar, Jesus respondeu: “Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Mas agora procurais matar-me (...) Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.” A chapa esquentou! Ele jamais usou termos tão fortes no trato dispensado a meretrizes e publicanos. Em outra ocasião, Ele os chamou de“geração adúltera”, expressão próxima a “filhos da p*ta”. Mas daí, chamá-los de “filhos do diabo” já era demais. Ou não? 

Os fariseus não deixaram barato. Devolveram na mesma moeda. “Não dizemos bem que és samaritano, e que tens demônios?” Com estas palavras eles vomitaram todo o preconceito que tinham contra aquela raça mestiça que transitava entre eles: os samaritanos. O que haveria de errado em ser samaritano? Absolutamente, nada. Mas o uso que eles fazem do termo denota um preconceito raivoso.  Nos artigos anteriores, exploro mais este tema. Por favor, não deixe de lê-los. 

Jesus respondeu: “Eu não tenho demônio, antes honro a meu Pai, e vós me desonrais.” Repare, apesar de não ser samaritano, Ele não os desmente, mas, apenas afirma não estar endemoninhado. Se dissesse que não era samaritano, poderia parecer que estivesse endossando aquele preconceito idiota.

De onde tiraram a ideia de que Jesus fosse samaritano? Não foi Ele mesmo que destacou a gratidão do samaritano que fora curado de sua lepra, enquanto os outros nove, que eram judeus, nem sequer voltaram? Não foi também Ele que foi flagrado conversando despudoradamente com uma samaritana de moral duvidosa à beira de um poço? Não foi Ele que impediu que dois de Seus discípulos rogassem a Deus para que enviasse fogo do céu para consumir toda uma aldeia samaritana? E por que içou um samaritano ao papel de protagonista de uma de Suas principais parábolas? Agora, chegara a fatura e Ele teria que pagar. Quem mandou demonstrar compaixão por aquela gente detestada por Seus patrícios? Talvez seja por isso que muitos preferem manter distância de certas questões. Temem ser estigmatizados por defender causas consideradas abomináveis tanto para os fariseus conservadores, quanto para os saduceus liberais. Enquanto isso, Jesus vai tomando sobre Si as nossas dores, sem importar-Se com o estigma que terá que carregar. Muito mais importante do que a reputação é a compaixão que demonstramos para com aqueles com os quais não possuímos qualquer identificação. O resto... que se dane! Da próxima vez que me perguntarem de que lado estou, terei o prazer de responder: Estou do lado daqueles de quem Jesus certamente estaria.

Fonte: Hermes C.Fernandes