segunda-feira, 3 de março de 2014

Terceiro Reich - A Queda

Visões do Futuro: A Revolução Quântica

A complicada relação da igreja com o carnaval


Por Hermes C. Fernandes

Duas igrejas. Duas posturas diferentes quanto às demandas do mundo. Posturas que se evidenciam durante a época da festa da carne. Encontramo-nas, de maneira metafórica, num episódio relatado por Lucas envolvendo duas multidões que vinham de lados opostos, mas que, eventualmente, se chocaram.

A primeira multidão era liderada por Jesus, e seguia euforicamente na direção da cidade de Naim. Pessoas que haviam deixado tudo para seguir o mestre da Galileia. Não se importavam com o calor escaldante da região. Nem em passaram  por alguma privação durante o cortejo. A razão de toda a sua alegria e esperança estava personificada naquele jovem carpinteiro.

A multidão que seguia na direção oposta era liderada por um defunto. Enquanto a primeira entrava na cidade, a segunda a deixava. Enquanto a primeira parecia celebrar, a segunda só fazia lamentar. E, de fato, havia motivo para isso. Ao lado do defunto ainda moço, estava sua mãe, inconsolável, que não fazia muito tempo perdera também o marido. Sem um arrimo para sustentá-la, só lhe restava chorar, chorar e chorar.

Imagine o 'choque térmico' provocado pelo encontro das duas multidões. Uns sorrindo, outros chorando. Se ao menos entendessem a razão uns dos outros... Quem chorava, ao deparar-se com quem sorria, devia pensar: quem é este idiota que não respeita a dor alheia? Quem celebrava, ao avistar os que choravam, provavelmente pensava:  será que não percebeu a presença de Jesus entre nós?

Quando Jesus se viu de frente com aquela viúva, seu coração se encheu de ternura e compaixão. Dirigindo-se a ela, disse: Não chores!

Como assim, “não chores”? Será que não viu o menino morto que era carregado? Será que não percebeu que a partir daquele dia, ela poderia ficar desamparada? Obviamente que a resposta a estas perguntas é um sonoro sim. O “não chores” não soou petulante. Não foi uma ordem. Bastava observar as feições de Jesus para perceber a doçura do seu olhar. Quase que concomitantemente, Jesus paralisa o cortejo fúnebre, toca o esquife e diz ao morto: “Jovem, a ti te digo: Levanta-te”.

Se o jovem não o tivesse atendido, Jesus teria sido considerado um louco varrido e talvez até fosse linchado pela multidão. Mas o fato é que ele atendeu, levantou-se vivo e foi entregue à sua mãe. Agora, já não havia duas multidões caminhando em direções opostas, mas uma única multidão que se mesclara. Os que antes choravam, agora tinham uma razão para celebrar. Os que já celebravam, agora tinham uma razão a mais para fazê-lo.

Durante esta época, muitas igrejas preferem deixar a cidade. A alegria do mundo parece incomodá-las, pois rivaliza com sua própria alegria. Talvez até preferissem vê-lo chorar. Elas se esquecem que essa alegria é fugaz, e que, invariavelmente, termina em cinzas. Por trás de cada máscara e fantasia há um ser fragilizado, que depois de trabalhar o ano inteiro, se entrega à folia para tentar driblar o vazio que há em sua alma. Todavia, a alegria provida pelo Carnaval pode ser tudo o que ele tem. Por isso, não acho que seja sábio desdenhá-la ou desrespeitá-la. Como também não acho prudente endossá-la. 

Não me atrevo a generalizar, porém, constato que muitas dessas igrejas parecem ser guiadas por um morto. Uma espiritualidade mórbida. Um cristianismo em estado de putrefação e decomposição. Essa igreja é viúva. Seu marido é um Cristo que não deixou o túmulo. Que fez da própria igreja o seu sepulcro. Por isso, não lhe resta alternativa senão enterrar agora os seus filhos. Enterrá-los a sete palmos de alienação para que se decomponham fora das vistas do mundo. Seus filhos parecem destinados a serem devorados pelos vermes da religiosidade apática e performática.

Todavia, há uma igreja que toma o caminho inverso. Que se volta para a cidade. Que se dispõe a acolher os que choram sem se importar em misturar-se a eles. Quem está à sua frente é ninguém menos que o Cristo de Deus, o porta-voz da vida, o única capaz de reverter o quadro caótico em que se encontra o mundo. Deixe que Ele toque o esquife! Para os doutores da Lei, tocar o esquife tornava-o imundo. Mas quem disse que Jesus se importa com a higiene religiosa? Quem toca num esquife, equivalente ao caixão dos nossos dias, também toca num carro alegórico, num trio elétrico, numa vida arruinada pelas drogas, num homossexual vítima de todo tipo de preconceito, numa mulata em trajes sumários na avenida.  O Jesus que está à frente desta multidão não se deixa domesticar por convenções sociais ou ditames religiosos. Ele toca em quem quiser, onde estiver, na data que lhe aprouver, sem ter que se desculpar com ninguém.


* Texto baseado em Lucas 7:11-16 e na mensagem pregada hoje na Reina pelo pastor Cecílio C. Fernandes Jr.