Quando tinha pouco mais de cinquenta
anos, o médico africano T.N. sofreu dois derrames cerebrais
devastadores. Eles destruíram totalmente seu córtex visual, a região do
cérebro que nos permite enxergar. T.N. ficou completa e
irremediavelmente cego. Mas, ainda no hospital, um grupo de cientistas
ingleses decidiu recrutá-lo para um estudo estranho. Colocaram um laptop
na frente de T.N. e pediram a ele que identificasse qual figura
aparecia na tela, que poderia ser um círculo ou um quadrado. O homem
identificou corretamente 50% das figuras - o que é de se esperar num
cego, pois esse índice de acerto é o mesmo que se consegue fazendo
escolhas aleatoriamente. T.N. estava apenas chutando. Mas aí, num
segundo teste, os pesquisadores trocaram as imagens exibidas no laptop.
Agora, aparecia uma sequência de rostos, alguns amigáveis e outros
hostis. T.N. deveria dizer se cada face era amiga ou inimiga. Para
perplexidade geral, ele identificou corretamente dois terços dos rostos.
Sorte? Os cientistas repetiram o teste, mas o índice de acerto se
mantinha. T.N. estava tendo alguma reação aos rostos. Ele dizia que não
estava vendo nada - e, clinicamente, de fato era impossível que
enxergasse. Como explicar isso, então? Um fenômeno sobrenatural? Não.
Ser
capaz de ler expressões faciais é uma habilidade extremamente
importante. Para o homem das cavernas, saber se um indivíduo era
amistoso ou hostil poderia significar a diferença entre a vida e a
morte. E era preciso fazer isso no ato; não dava tempo de conversar e
analisar racionalmente a pessoa para saber se ela era boazinha ou não.
Por isso, ao longo da evolução, uma região cerebral se especializou em
julgar rostos. Ela se chama área fusiforme e é um pedaço fininho e
comprido da parte de baixo do cérebro. Quando você vê uma pessoa pela
primeira vez, sua área fusiforme analisa o rosto dela. O processo dura
frações de segundo e é inconsciente, ou seja, você não percebe que está
acontecendo. Sabe aquela primeira impressão instantânea, que parece puro
instinto e sempre temos ao conhecer alguém? É um julgamento feito pela
área fusiforme.
No
cérebro de T.N., esse pedaço estava intacto. O córtex dele não
conseguia processar as imagens enviadas pelos olhos, mas a área
fusiforme sim. É por isso que, mesmo estando cego, T.N. ainda conseguia
ver rostos. Seu cérebro consciente não enxergava mais nada. Mas o
inconsciente dele ainda conseguia ver - e, mais do que ver, julgar os
rostos das pessoas.
Há
diversos casos como o de T.N., tantos que a ciência até criou um termo
para designá-los: blindsight, ou visão cega. Todos seguem o mesmo
padrão. Conscientemente, a pessoa está cega - mas partes do cérebro dela
ainda conseguem enxergar. A visão cega é apenas uma das demonstrações
do poder do inconsciente, que interessa cada vez mais aos cientistas.
Agora,
o lado oculto da mente não é apenas um assunto de psicanalistas; ele
também virou uma das áreas mais interessantes da neurociência moderna.
Essa transformação aconteceu porque as técnicas de mapeamento cerebral
finalmente estão permitindo que os cientistas comecem a desbravar o
inconsciente - um mundo inexplorado e muito maior que a consciência.
Quão
maior? No ano passado, a emissora inglesa BBC fez essa pergunta a sete
dos maiores experts do mundo em cérebro e cognição, de quatro grandes
universidades (Oxford, Montreal, Columbia e Londres). Cada um deles deu
seu palpite - sim, palpite, pois a ciência ainda está longe de ter um
catálogo completo dos processos cerebrais. Pelas estimativas dos
especialistas, a consciência ocupa no máximo 5% do cérebro. Todo o
resto, 95%, é o reino do inconsciente.
CONSCIENTE X INCONSCIENTE
Quando
você vê um rosto pela primeira vez, o seu inconsciente decide, em
frações de segundo, se aquela pessoa é amiga ou inimiga. É uma
habilidade vital para a sobrevivência - e também permitiu que um homem
totalmente cego voltasse a enxergar.
Muito do que você faz, o tempo
inteiro, é inconsciente. Falar, por exemplo. Você simplesmente pensa no
que quer dizer (as ideias), e não precisa selecionar conscientemente as
palavras - elas simplesmente aparecem. Isso acontece porque o seu
inconsciente trabalha nos bastidores durante o papo, vasculhando o seu
vocabulário e abastecendo o consciente para ajudar você a se expressar.
Enquanto você escuta outra pessoa falar, acontece algo parecido. Você
não precisa analisar e decodificar conscientemente cada palavra do que
ela está dizendo - porque o seu inconsciente se encarrega de transformar
em ideias os sons que estão saindo da boca dela. Quando você lê um
texto, é a mesma coisa: o inconsciente transforma automaticamente os
símbolos gráficos (as letras e palavras) da página em ideias, que só
então são transmitidas para a sua consciência. É por isso que é tão
difícil aprender outro idioma. Quando você começa a falar ou ler textos
em outra língua, só usa a consciência - porque o inconsciente ainda não
assumiu a tarefa (mais sobre isso daqui a pouco), e você tem de escolher
ou analisar as palavras uma por uma. "Falar outro idioma é quase
experimentar ser outra pessoa. Precisamos reunir os sentidos usando
outra lógica", diz Luiza Surreaux, doutora em estudos da linguagem e
professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O
inconsciente se encarrega de tudo o que fazemos sem esforço
perceptível, como andar na rua ou escovar os dentes. Por causa disso,
ele opera em potência máxima o tempo todo - e é uma exceção no
organismo. Se você se levantar e sair correndo, por exemplo, os seus
músculos vão gastar aproximadamente 100 vezes mais energia do que se
você estivesse imóvel (e coração e pulmão também serão mais exigidos).
Mas o cérebro é diferente. Quando você faz alguma coisa mentalmente
intensa, como jogar xadrez, ele gasta apenas 1% a mais de energia do que
se você estivesse olhando para o teto, sem pensar em nada. Isso
acontece graças ao inconsciente - que trabalha freneticamente até quando
estamos relaxados. "O cérebro é abastecido pelos olhos, ouvidos e
outros sentidos, e o inconsciente traduz tudo em imagens e palavras",
diz o psicólogo e neurocientista Ran Hassin, professor da Universidade
Hebraica de Jerusalém e um dos autores do livro The New Unconscious ("O
novo inconsciente", ainda não lançado no Brasil). "Novo inconsciente",
aliás, é o termo que os cientistas têm utilizado para definir essa nova
abordagem - que propõe uma explicação puramente neurológica para o lado
oculto da mente. Mas também confirma a principal ideia de Freud.
LER X VER
Enquanto lê este texto, você vê uma sequência de símbolos: as letras. Mas é o seu inconsciente que dá sentido a elas.
PSICANÁLISE X CIÊNCIA
Sigmund
Freud não foi o "descobridor" do inconsciente. Já durante o Iluminismo,
no século 18, se discutia a existência dele - entendido como um pedaço
da mente dotado de vontades que escapavam ao controle consciente. A
contribuição específica (e enorme) de Freud foi transformar uma noção
vaga num conjunto de ideias, teorias e técnicas: a psicanálise. Como
explica o biógrafo Peter Gay em Freud - Uma Vida para Nosso Tempo
(Companhia das Letras, 2012), Freud acreditava que o inconsciente era
"uma prisão de segurança máxima" na qual os traumas sofridos na infância
ficavam aprisionados, e nisso estaria a raiz das infelicidades humanas.
A
neurociência nunca deu muita bola para a psicanálise. Mas os novos
estudos sobre inconsciente trazem comprovação para um conceito central
dela. Uma experiência liderada pelo psiquiatra Eric Kandel, que ganhou o
prêmio Nobel de Medicina de 2000 por estudos sobre neurotransmissores,
mostra como o inconsciente pode funcionar como amplificador das emoções.
Antes da experiência, os voluntários preencheram questionários que
mediam seus níveis de ansiedade. Depois, enquanto seu cérebro era
monitorado pelos cientistas, cada voluntário via uma série de rostos com
expressões de medo. Foram duas sessões. Na primeira, as fotos passavam
bem devagar, com tempo suficiente para o voluntário analisar os detalhes
de cada uma. Na segunda, as imagens passavam tão rápido que os
voluntários não conseguiam identificar nada - não tinham nem certeza de
ter visto um rosto ou qualquer outra coisa. A intenção de Kandel e seus
colegas era provocar emoções conscientes e inconscientes. Quando a foto
ficava por um bom tempo na tela, o voluntário tinha tempo de perceber
conscientemente a expressão de medo da imagem. No outro experimento, era
tudo tão rápido que não era possível ter uma reação consciente. Essas
imagens rápidas estimulavam diretamente o inconsciente, e provocavam
atividade muito alta no núcleo basolateral da amídala cerebral - área
ligada às sensações de medo. Já as imagens lentas, que eram
interpretadas de forma consciente, não geravam nenhuma atividade nessa
área. Quanto mais ansiosa a pessoa era, maior a diferença entre a
interpretação consciente e inconsciente da mesma coisa (as imagens).
Para Kandel, o estudo é a comprovação neurocientífica de uma teoria
central da psicanálise: a interpretação inconsciente de coisas negativas
é a fonte de muitas das aflições humanas. Freud tinha razão.
EXPERIÊNCIA X INFLUÊNCIA
Você é o produto das situações que vive. Mas também sofre uma influência que vem de dentro - e é tão potente quanto elas.
O inconsciente pode ser fonte de
angústias - e também de algumas injustiças, cujos efeitos são
perceptíveis desde a infância. O queridinho do professor, provavelmente,
será o aluno com as melhores notas da classe. Não porque ele seja
necessariamente o melhor, mas porque os professores acreditam que seja -
e acabam atuando inconscientemente a favor dele. Esse fenômeno, que se
chama incentivo inconsciente, tem respaldo em diversos estudos
científicos. Um dos mais engenhosos (e mais polêmicos também) foi
conduzido na década de 1960 por Robert Rosenthal, hoje um octogenário
professor de psicologia da Universidade da Califórnia.
Na
experiência, os alunos de uma escola americana foram submetidos a uma
prova. Rosenthal e sua equipe disseram aos 18 educadores do colégio que
se tratava de um teste especial, desenvolvido na Universidade Harvard
para analisar o potencial de desenvolvimento de cada criança. Mentira.
Era apenas um reles teste de QI, sem nada de especial. O objetivo da
lorota era aumentar as expectativas dos professores. Os alunos fizeram a
prova, e a grande sacada de Rosenthal veio na hora de anunciar o
resultado. Antes mesmo de calcular a pontuação de cada aluno, os
pesquisadores escolheram aleatoriamente três a seis crianças de cada
série e disseram aos professores que aqueles alunos haviam se destacado e
teriam um desempenho extraordinário nos anos seguintes. Era outra
mentira.
No
final do ano escolar, a equipe de Rosenthal voltou à escola e repetiu o
teste. Os alunos que haviam sido falsamente diagnosticados como gênios
haviam ganho, em média, 3,8 pontos de QI a mais que os demais. O
resultado foi ainda mais surpreendente entre alunos da primeira série: a
diferença entre os ungidos e o resto foi de assombrosos 15,4 pontos de
QI a mais. Ou seja: as crianças que haviam sido apresentadas como mais
inteligentes de fato se tornaram mais inteligentes - porque
inconscientemente, sem querer, os professores haviam dado mais atenção e
estímulo a elas. "O resultado mais importante desse experimento foi
mostrar como a expectativa dos professores faz toda a diferença para o
desenvolvimento dos alunos", analisa Rosenthal. É impossível ser
completamente justo e imune a esse tipo de influência, mas existe um
antídoto eficaz contra as distorções induzidas pelo inconsciente: saber
que ele sempre está pronto para nos enganar.
APRENDER SEM SABER
Se,
por um lado, é impossível controlar o inconsciente de maneira
consciente, é possível influenciá-lo. "Podemos mudá-lo. Ele é tão
maleável quanto a consciência, ou talvez mais", afirma o neurologista
Ran Hassin. Como se faz isso? Praticando alguma coisa até que ela se
torne uma segunda natureza, ou seja, vire um processo automático.
Qualquer profissional de elite, seja um pianista profissional, um
jogador da seleção brasileira de futebol, um médico-cirurgião ou uma
bailarina do Theatro Municipal, depende de anos de prática para chegar
ao topo da carreira. Cerca de dez anos de prática - ou 10 mil horas de
treino, segundo uma famosa pesquisa do psicólogo Anders Ericsson, da
Universidade da Flórida. Ericsson estudou violinistas de uma das
melhores escolas de música de Berlim. Eles começaram com cinco anos de
idade, todos no mesmo ritmo. Mas, a partir dos oito anos, as horas de
ensaio começaram a variar entre os estudantes. Quando chegaram aos 20
anos, os melhores violinistas haviam somado 10 mil horas de treino,
enquanto os demais não passavam de 8 mil horas - e os piores da turma
tinham apenas 4 mil horas de estudo.
SENTIR X PENSAR
O consciente e o inconsciente reagem de modo diferente à mesma coisa. O primeiro é racional; o segundo, carregado de emoção.
A dedicação trouxe recompensa
porque, quando se pratica muito alguma coisa, ela fica gravada num tipo
especial de memória: a memória não-declarativa, que faz parte do
inconsciente e registra ações e movimentos do corpo. É ela que permite
que o violinista consiga tocar bem. Se dependesse apenas do consciente,
ele não daria conta de todos os procedimentos envolvidos na tarefa (ler a
partitura, equilibrar o instrumento no ombro, posicionar os dedos,
mover o arco, respirar e, ainda por cima, tocar de maneira natural e
relaxada). E ninguém conseguiria aprender a falar fluentemente um
segundo idioma. Em suma: a chave para ensinar uma nova habilidade ao
próprio inconsciente é treinar, treinar e treinar. É um processo bem
demorado. Mas já existe gente tentando deixá-lo mais rápido.
CRIA X FALA
Você
decide o que quer falar, mas não escolhe as palavras que vai usar - o
seu inconsciente faz isso por você. Ele pega as suas ideias e cria a sua
fala. Quando você está aprendendo outro idioma, isso não acontece: a
consciência tem de se virar sozinha.
AS SENHAS INVISÍVEIS
Elas
são um problema típico do mundo moderno. Ou você acaba esquecendo as
suas, ou escolhe uma bem bobinha e usa pra tudo - até que, por causa
disso, alguém acaba invadindo o seu e-mail ou conta bancária. Um grupo
de cientistas da Universidade Stanford tem uma solução melhor: senhas
ultrassecretas, que ficam armazenadas no inconsciente. Funciona assim.
Primeiro, os cientistas pedem a voluntários que joguem um joguinho no
qual bolinhas caem, uma de cada vez, em uma das seis colunas que
aparecem na tela. O objetivo é apertar o botão do teclado correspondente
à posição da bolinha na tela. Se a bolinha cai do lado esquerdo, por
exemplo, a pessoa aperta a letra S (porque ela fica bem à esquerda no
teclado). A ordem das bolinhas parece aleatória, mas não é. A pessoa não
percebe, mas existe uma sequência que se repete de tempos em tempos -
cerca de 90 vezes ao longo de 30 minutos, a duração do jogo. Essa
sequência é definida pelo computador e é personalizada, ou seja,
diferente para cada jogador. Ela é a senha. E, graças à repetição, acaba
sendo gravada no inconsciente da pessoa.
Na
segunda etapa da experiência, a pessoa joga o joguinho novamente. E as
bolinhas vão caindo na tela do mesmo jeito: sua ordem parece aleatória,
mas uma sequência específica (a senha) se repete de tempos em tempos.
Como as bolinhas caem bem depressa, o jogador erra muitas. Exceto as
bolinhas daquela sequência que ficou gravada no inconsciente dele. Sem
perceber nem saber o motivo, a pessoa acerta todas. Está digitada a
senha. Ela é reconhecida pelo computador, que libera o acesso. Além de
ser conveniente (você nunca mais precisará se lembrar de uma senha), a
tecnologia é extremamente segura. "O sistema torna praticamente
impossível para um assaltante forçar a vítima a revelar sua senha
bancária, por exemplo. Porque a senha está no cérebro da pessoa, mas não
está acessível conscientemente a ela", explica Hristo Bojinov, um dos
criadores da tecnologia.
Segundo
ele, o sistema de senhas inconscientes pode chegar ao mercado dentro de
três anos, mas ainda precisa ser aperfeiçoado. Por enquanto, ele é
inviável para uso cotidiano - porque é preciso jogar o joguinho durante 5
a 10 minutos até que a senha inconsciente seja digitada. Dez minutos é
bastante. Mas é bem menos do que as 10 mil horas do exemplo anterior. Ou
seja: a nova técnica mostra que é possível inserir informações simples
no inconsciente muito mais depressa do que se acreditava.
O
Exército americano já percebeu, e está tentando tirar proveito disso. A
ideia é ajudar os analistas de imagens aéreas, funcionários do
Pentágono que olham as fotos tiradas pelos satélites espiões dos EUA - e
dizem quais delas contêm algo relevante (como um reator nuclear ou uma
base militar inimiga, por exemplo). É um trabalho cansativo e difícil,
pois são milhares de fotos aparentemente iguais, com diferenças
minúsculas. Mas o cientista Paul Sajda, da Universidade Columbia, teve a
ideia de monitorar o cérebro de um analista enquanto ele olhava essas
fotos. O analista vestiu uma touca de eletroencefalograma (EEG), cheia
de sensores que medem a atividade elétrica em determinadas regiões do
cérebro. Aí Sajda mostrou a ele uma foto relevante, ou seja, na qual se
via claramente uma construção suspeita. O eletroencefalograma registrou
um pico de atividade cerebral - pois aquela imagem havia despertado a
curiosidade do analista. Normal.
Mas
aí os pesquisadores resolveram acelerar as coisas, e começaram a exibir
dez imagens por segundo. Algumas das fotos eram relevantes, outras não,
mas todas passavam rápido demais para que o analista conseguisse
prestar atenção em qualquer coisa. Mesmo assim, quando aparecia uma foto
relevante, algo incrível acontecia: o eletroencefalograma registrava um
pico de atividade no cérebro dele. O analista não conseguia perceber
nada de diferente nas imagens, mas o inconsciente dele sim - e estava
identificando as fotos que tinham pontos interessantes. De acordo com
Sajda, o novo método permite aumentar em até 300 vezes a eficiência da
análise de imagens militares. "Os processos inconscientes são capazes de
algum tipo de racionalidade, muito mais do que se pensa, e essa
racionalidade pode levar a boas decisões", escreve o neurocientista
Antonio Damasio no livro E o Cérebro Criou o Homem.
HANS, O CAVALO ESPERTO
O
inconsciente não é apenas um depósito de traumas reprimidos e
habilidades incríveis. Ele também é especialista em fazer o contrário:
colocar tud o pra fora. O psicólogo Paul Ekman, da Universidade da
California, ficou famoso por ter catalogado mais de 10 mil conjuntos de
"microexpressões" - expressões faciais que fazemos inconscientemente
enquanto conversamos, e que podem revelar nossas verdadeiras emoções.
Inclusive se o seu interlocutor for um cavalo.
Em
1904, o alemão Wilhelm von Oster ficou famoso por suas apresentações
com Hans - um cavalo que era capaz de "quase tudo, menos falar". Segundo
o dono, Hans fazia cálculos matemáticos complexos. Quando perguntavam a
raiz quadrada de quatro, o bicho respondia batendo o casco duas vezes
no chão. A conexão era tanta que Hans acertava o resultado mesmo quando
seu mestre não fazia as perguntas em voz alta - e apenas pensava nelas.
Havia quem jurasse de pés juntos que o cavalo lia a mente de Von Oster. A
dupla rodou a Alemanha em apresentações fantásticas, e deixou
estudiosos debruçados sobre o mistério durante anos. Em 1907, o
psicólogo Oskar Pfungst publicou um estudo que solucionava a charada.
Hans só acertava os resultados quando seu `entrevistador¿ (no caso, Von
Oster) já sabia a resposta certa. Pfungst descobriu um padrão: Von Oster
se inclinava levemente para frente quando terminava de propor uma
questão. Esse era o sinal. Hans entendia e começava a bater o casco no
chão. Quando atingia o número certo de batidas, algum outro movimento do
dono denunciava a hora de parar. Von Oster era um charlatão, então?
Talvez. Mas muitas outras pessoas, que não sabiam de nada, desafiaram
Hans com problemas matemáticos. O cavalo acertou todos. É que elas, sem
saber, também coordenavam com movimentos inconscientes as respostas
dele. Ou seja: cavalos talvez não saibam fazer contas, mas podem ser
capazes de ler o inconsciente alheio com mais precisão do que muito
humano.
ROTINA X MUDANÇA
Um
estudo neurológico provou que o inconsciente exagera as coisas ruins - e
confrontá-lo pode ser a chave para superar angústias.
Ainda
não existe uma fórmula que permita controlar o que dizemos de forma
inconsciente. Emitimos sinais inconscientes o tempo todo - a ponto de
sermos transparentes até para cavalos. É por isso que é tão difícil
fingir: todo mundo percebe quando achamos que uma festa está meio chata,
por exemplo. Mas não vá culpar o seu inconsciente por isso. Se não
fosse ele, você sequer conseguiria dançar e conversar ao mesmo tempo.
Memória subliminar
Como funciona o sistema que permite gravar senhas de computador no inconsciente
1. Você
joga um game em que bolinhas caem na tela - e o objetivo é apertar a
letra do teclado correspondente à coluna na qual a bolinha está caindo.
2. A
ordem das bolinhas parece aleatória, mas não é. Você não percebe, mas
existe uma sequência de 30 letras que se repete várias vezes durante o
jogo. Ela é a senha - e, de tanto ser repetida, fica gravada no seu
inconsciente.
3. Para
acessar o computador, você joga novamente o game. Como as bolinhas caem
bem rápido, você erra muitas delas - exceto aquela sequência de 30, que
o seu inconsciente gravou, e por isso você acerta. A máquina reconhece a
senha e libera seu acesso.
Percepção acelerada
Exército dos EUA já sabe usar o poder do inconsciente para turbinar a visão humana
1. O militar veste uma touca de eletroencefalograma (EEG), aparelho que mede as correntes elétricas do cérebro.
2. Uma tela mostra dez imagens por segundo. É rápido demais para que a pessoa tenha qualquer reação consciente.
3. Mas
quando aparece uma imagem relevante (mostrando uma base militar
inimiga, por exemplo), o inconsciente percebe - e o EEG registra um pico
de atividade cerebral.
4. A
técnica permite que um analista militar processe até 36 mil imagens por
hora - e com três vezes mais precisão do que se estivesse usando a
consciência.
PARA SABER MAIS
Subliminal
Leonard Mlodinow. Pantheon Books, 2012.
Em Busca da Memória
Eric Kandel. Companhia das Letras, 2009.
* Por Reportagem: Alexandre de Santi e Sílvia Lisboa* Edição: Bruno Garattoni
Colaboração de Cristine Kist, Bianca Carneiroe e Ana Becker