segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Transpondo os muros do medo e do preconceito


Por Hermes C. Fernandes




Pra que servem os muros, afinal? Para segregar e delimitar propriedade. A Igreja de Cristo deveria estar no ramo de demolição, e não de construção de muros. Em Cristo, tudo o que nos separa deve ser transposto.


Não se pode usar textos isolados das Escrituras para justificar qualquer tipo de segregação. A igreja é lugar de congregar, e não de segregar. Seu ambiente deve possibilitar o intercâmbio, a troca de experiências, a partilha de recursos. Nela as pessoas devem se sentir à vontade para amar e se deixarem amar, independentemente de posição social, etnia ou faixa etária.


Quem promove segregação demonstra não ter entendido a amplitude da obra consumada na Cruz. Veja o que Paulo diz aos Efésios:


“Portanto, lembrai-vos de que vós outrora éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão, feita pela mão dos homens; que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo” (Ef.2:11-12).


Tal era a nossa condição antes que Cristo vertesse Seu sangue na Cruz. Éramos todos alienados de Deus, e segregados uns dos outros. A Cruz foi a resposta de Deus à alienação humana.


Pausa pra respirar fundo. Agora deixemos que Paulo prossiga em sua explanação:


“Mas AGORA em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegaste perto. Pois ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um, e destruiu a parede de separação, a barreira de inimizade que estava no meio, desfazendo na sua carne” (vv.13-14).


ACABOU! O muro ruiu! Deus unificou os povos, e deu à humanidade um novo nome: IGREJA.
Isso mesmo que acabei de dizer. A Igreja nada mais é do que a nova humanidade, isto é, a humanidade reformada, reconfigurada, renovada.


Todas as distinções caíram por terra. “Assim já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus” (v.19).


Foi a Cruz que rompeu com o muro de inimizade que havia entre os homens. Pena que tantos ministérios trabalhem para reconstruir o que custou tão caro para Deus derrubar.


Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Paulo diz em outra passagem:


“Desta forma não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há macho nem fêmea, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl.3:28).


Parafraseando o verso, diríamos: Não há mais branco, negro ou índio. Não há mais patrão ou empregado. Não há mais distinção sexista. Ninguém deve ser julgado pela cor de sua pele, por sua posição social, ou por seu gênero sexual. Todos fomos nivelados pela Cruz.

Embora os muros já tenham sido derrubados, eles ainda habitam nosso imaginário, como verdadeiras fortalezas espirituais que precisam ser dinamitadas (2 Co.10:4).


A serpente do paraíso agora se arroga a guardiã dos muros. Ninguém é mais conservador do que o diabo. Ele prefere as coisas do jeito que estão. Por isso, luta pela manutenção do Status Quo.

Lemos em Eclesiastes 10:8:


“Quem fizer uma cova, cairá nela; quem romper um muro, uma cobra o morderá.”

Esta cobra, representação do diabo, é quem mantém as pessoas afastadas do muro. O controle que ela exerce é pela via do medo do desconhecido. E assim, ela consegue manter as pessoas aprisionadas em seu próprio mundinho particular.



Um ótimo filme sobre este tema é A Vila, do diretor indiano M. Night Shyamalan, que retrata os habitantes de um vilarejo encravado numa floresta, que vivem isolados do mundo exterior, pois ninguém pode cruzar a fronteira do bosque que cerca o lugar. Muitos anos antes foi firmado uma espécie de pacto com os estranhos seres que vivem na mata, e nenhum humano pode se aventurar bosque adentro ou coisas terríveis podem acontecer. Quando alguns animais começam a aparecer esfolados e marcas vermelhas amanhecem nas portas das casas de todos, fica evidente que a paz com os habitantes da floresta foi de alguma forma perturbada. O jovem Lucius é o único com coragem para atravessar o bosque em busca de remédios para seu povo, mas é contido pelos anciãos do vilarejo. A impressão inicial é que a história se dá em séculos passados. Mas no final do filme, para a surpresa de todos, descobre-se que a trama se desenrola nos tempos atuais, e que todo aquele mistério nada mais era do que uma mentira inventada pelos fundadores da vila, para manter seus habitantes longe do contacto com o mundo exterior.

Os crentes primitivos tiveram sua fase de “A Vila”. A ordem de Jesus foi clara: Deveriam ficar em Jerusalém até que fossem revestidos do poder do Espírito Santo. A partir daí, deveriam se espalhar pelo mundo, atravessar fronteiras, ir ao encontro de outras culturas, e pregar o Evangelho destemidamente. Mas o que eles fizeram? Ficaram plantados em Jerusalém. Deus teve que permitir uma perseguição implacável contra a igreja, para que os discípulos se deixassem espalhar.


Romper o muro é deixar nossa zona de conforto e sair ao encontro do desconhecido, do imprevisível, sem se importar com as ameaças da serpente.


Em sua despedida dos Efésios, Paulo desabafa: “E agora, compelido pelo Espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que lá me há de acontecer. Somente sei o que o Espírito Santo de cidade em cidade me revela, dizendo que me esperam prisões e tribulações” (At.20:22-23). Quem aceitaria ir nessas condições? Quem, de bom grado, deixaria um lugar onde se é amado, para aventurar-se num lugar onde se é odiado?


Parafraseando Paulo: - Tudo bem! Eu não tenho minha vida por preciosa! O que me interessa é cumprir com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus (v. 24).


Em outra de suas viagens, desta vez para Roma, Paulo sofreu uma naufrágio, e foi parar numa ilha chamada Malta, juntamente com toda a tripulação do navio.


Enquanto se aquecia ao redor de uma fogueira, uma serpente saltou do fogo e se apegou à sua mão. “Quando os nativos viram a serpente pendurada na mão dele, diziam uns aos outros: Certamente este homem é homicida; pois embora salvo do mar, a Justiça não o deixa viver” (At.28:4).


Se Paulo fosse julgado pelos critérios com que os ministérios de hoje são avaliados, diríamos que ele foi um completo fracasso. Ele nunca constituiu uma mega-igreja. Nunca viajou de primeira-classe. Os habitantes de Malta tinham razão em desconfiar dele. O que não sabiam é que aquela serpente era como que um aviso para que Paulo se mantivesse longe daquela gente. O que Paulo fez? “Mas, sacudindo ele a cobra no fogo, não sofreu mal nenhum. Eles esperavam que Paulo viesse a inchar ou a cair morto de repente, mas tendo esperando muito tempo e vendo que nenhum incômodo lhe sobrevinha, mudando de parecer, diziam que era um deus” (vv.5-6). Resultado: os nativos daquela ilha foram alcançados pelo Evangelho.


Não podemos permitir que a serpente se nos apegue à mão, isto é, comprometa nossa obra no Senhor. Seu veneno já não tem qualquer poder de nocividade contra nós.


Que venham as ameaças. Não temos nossa vida por preciosa! Que venham as mordidas de serpentes, seu veneno será neutralizado. Seu bote já não nos aterroriza.


Cristo destruiu o que tinha o império da morte, a saber, o diabo, e libertou todos os que estavam presos pelo medo da morte (Hb. 2:14).


Maior é o que está em nós! E não estou falando de triunfalismo barato, mas de confiança n’Aquele que nos enviou a transpor os muros, e que garantiu que pegaríamos nas serpentes, e que nenhum mal nos sucederia (Mc.16:15-17).


E quanto a guardiã dos muros? Seu destino está selado. Em breve será esmagada sob os nossos pés (Rm.16:20).