segunda-feira, 22 de junho de 2015

Intolerância Zero - Para que os perseguidos jamais passem a perseguir



Por Hermes C. Fernandes


Estou profundamente indignado e envergonhado. Como alguém pode identificar-se como seguidor do maior pacifista que já existiu e ainda assim ser capaz de agredir um adepto de outro credo? Como um povo que um dia foi duramente perseguido, pode agora se prestar a perseguir a outros? Onde foi parar a principal mensagem de Jesus, o amor?

Uma criança de apenas 11 anos, que poderia ser minha filha, foi alvo da intolerância e agressão por parte de um grupo que ostentava bíblias e gritava frases como “Vocês vão para o inferno!” e “Está repreendido em nome de Jesus!” Se ficasse só na gritaria, ninguém sairia machucado. Mas um deles teve a infeliz ideia de arremessar uma pedra na direção do grupo de candomblecistas que acabara de deixar uma festa no centro que frequenta. A pedra ricocheteou ao bater num poste e acabou atingindo a cabeça da menina, que começou a sangrar. O crime ocorreu no bairro de Vila da Penha, subúrbio carioca.

Que Bíblia esses “irmãos” estão lendo? Ou melhor, o que eles estão ouvindo do púlpito da igreja onde frequentam?

Piores do que aqueles que lançaram a pedra são os que armaram suas almas, munindo-as de discursos odiosos travestidos de piedade religiosa.

Peço a Deus que poupe o Brasil de passar pelo mesmo que a Irlanda do Norte por três décadas seguidas. De um lado, católicos fervorosos, do outro, protestantes. Resultado: milhares de mortos. O mais famoso episódio desse conflito histórico aconteceu no dia 20 de janeiro de 1972, quando catorze manifestantes católicos morreram na cidade de Derry, num incidente que ficou conhecido como Domingo Sangrento (episódio que inspirou a canção “Sunday Bloody Sunday” do U2). Até o ano 2000, mais de 3.600 pessoas haviam sido mortas de ambos os lados.

Recuso-me a crer que nosso país tenha tal vocação. Sempre fomos um povo cordato, de convívio amistoso. Fatos como este, ainda que isolados, deveriam nos estarrecer. Mas, parece que estamos começando a nos acostumar. E o pior é quando sinalizamos com uma bandeira branca, pedindo que os religiosos aprendam a arte da coexistência respeitosa, somos acusados por irmãos da mesma fé de estarmos aderindo ao ecumenismo (o que para alguns setores da igreja protestante é a heresia das heresias).

Não precisamos concordar com os dogmas da religião alheia para respeitarmos os seus adeptos. Todas tem em comum o fato de buscarem sentido na existência. O próprio Paulo, o apóstolo dos gentios, disse que Deus permitiu que cada povo o buscasse como quem está tateando na escuridão. Respeitá-los não significa abrir mão do que cremos, nem relativizar o papel único de Cristo como Salvador dos homens. 

Cada cultura e tradição espiritual traz traços da graça comum. O Criador não nos deixou entregues à própria sorte, mas deu testemunho de Si mesmo e do Seu amor através de cada elemento da criação. Creio que não preciso citar as passagens bíblicas que comprovam isso.

Se insistirmos na intolerância, ela poderá nos custar a tão cara liberdade de culto que prezamos. Se não queremos ser importunados em nosso momento de culto, não queiramos calar os tambores dos terreiros, nem os sinos das catedrais.

Nosso papel como discípulos de Jesus não é atacar o credo alheio, mas amar incondicionalmente aos adeptos de qualquer expressão religiosa. Antes de pregar com palavras, a gente deve pregar com gestos. Como dizia Francisco de Assis, pregue em todo o tempo, e se precisar, use palavras. 

Antes de acusá-los de possessão demoníaca, deveríamos exorcizar os demônios do preconceito que assombram nossas próprias almas. Antes de acusá-los de idolatria, deveríamos nos livrar de nossos ídolos secretos, dentre os quais, nosso apego ao dinheiro. Antes de acusá-los de bruxaria, deveríamos abdicar da presunção de que podemos manipular a vontade de Deus a nosso favor através de ofertas e correntes.

Ora, se temos todos telhados de vidro, não seria melhor que fôssemos mais compassivos uns com os outros? O diálogo sempre funciona melhor do que o embate. Mãos estendidas costumam ser mais eficazes que dedos apontados.

Aproveito este post para lançar uma campanha: Intolerância Zero. Se você não quer ver uma “guerra santa” instalada em nosso país, ajude-nos a divulgar com as hashtags #intolerânciazero e a #euescolhiamar.

Também aproveito para, em nome dos cristãos conscientes, rogar o perdão da menina atingida pela pedra. Que o bálsamo do amor de Deus possa cicatrizar, não apenas a ferida aberta em sua cabeça, mas, sobretudo, a ferida que lhe abrimos na alma.

Fonte: Blog de Hermes C. Fernandes