sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A verdadeira história de Cosme e Damião







Por Hermes C. Fernandes

Filhos de uma nobre família de cristãos, os gêmeos árabes Cosme e Damião nasceram por volta do ano 260 d.C. Desde muito jovens manifestaram um enorme talento para a medicina, profissão a qual se dedicaram após estudarem e diplomarem-se na Síria. 

Amavam a Cristo com todo o fervor de suas almas, e decidiram dedicar suas vidas ao serviço do amor. Por isso, não cobravam pelas consultas e atendimentos que prestavam, o que lhes rendeu o apelido de "anárgiros", ou seja, “aqueles que são inimigos do dinheiro" ou "que não são comprados por dinheiro". A riqueza que almejavam era fazer de sua arte médica também o seu ministério para o bem de todos. Inspirados no amor de Cristo, usavam a fé aliada aos conhecimentos científicos para atenuar a dor dos enfermos e inválidos. Ao invocarem o nome de Jesus, muitos eram curados, alguns à beira da morte. Até animais eram sarados, pois entendiam que “toda a criação aguarda, com ardente expectativa, pela manifestação da glória de Deus em Seus filhos” (Rm. 8:18:19). 

Seu testemunho de amor produziu inúmeras conversões ao evangelho da graça, chamando a atenção das autoridades. Durante a perseguição promovida pelo Imperador romano Diocleciano, por volta do ano 300, Cosme e Damião foram presos, levados a tribunal e acusados de se entregarem à prática de feitiçarias e de usar meios diabólicos para disfarçar as curas que realizavam. Ao serem questionados quanto as suas atividades, eles responderam: "Nós curamos as doenças em nome de Jesus Cristo, pela força do Seu poder". 

Diocleciano odiava os cristãos porque eles eram fiéis a Jesus Cristo e se recusavam a adorar ídolos e esculturas consideradas sagradas pelo Império Romano.Eles conheceram os princípios da fé cristã desde sua infância, e por isso recusaram-se a adorar os deuses pagãos, apesar da imposição e das ameaças do império. Diante do governador Lísias, ousaram declarar que aqueles falsos deuses não tinham poder algum sobre eles, e que só adorariam o Deus Único, Criador do Céu e da Terra. Mantiveram a Palavra do testemunho de Cristo, impressionando a todos por seu Amor, fidelidade e entrega a Jesus. 

Por não renunciarem aos princípios de Deus, sofreram terríveis torturas. Mas mesmo torturados, jamais negaram a fé. Em 303, o Imperador decretou que fossem condenados à morte na Egéia. Os dois irmãos foram colocados no paredão para que quatro soldados os atravessassem com flechas, mas eles resistiram às pedradas e flechadas. Os militares foram obrigados a recorrer à espada para a decapitação, honra reservada só aos cidadãos romanos. E assim, Cosme e Damião foram martirizados. 

Ironicamente, cem anos depois de morrerem por não se render à idolatria, seus restos mortais começaram a ser alvo de veneração, bem como as imagens esculpidas em sua homenagem. Dois séculos após sua morte, por volta do ano 530, o Imperador Justiniano ficou gravemente doente e deu ordens para que se construísse, em Constantinopla, uma grandiosa igreja em honra de Cosme e Damião. A fama dos gêmeos também correu no Ocidente, a partir de Roma, por causa da basílica dedicada a eles, construída a pedido do papa Félix IV, entre 526 e 530. A solenidade de consagração da basílica ocorreu num dia 26 de setembro e assim, Cosme e Damião passaram a ser festejados pela igreja católica nesta data. 

Os nomes de Cosme e Damião são pronunciados inúmeras vezes, todos os dias, no mundo inteiro. Até hoje, os gêmeos são cultuados em toda a Europa, especialmente na Itália, França, Espanha e Portugal. Além disso, são venerados como padroeiros dos médicos e farmacêuticos, e por causa da sua simplicidade e inocência também são invocados como protetores das crianças. Por isso, na festa dedicada a eles, é costume distribuir balas e doces para as crianças. 

Aqui no Brasil, devido ao sincretismo, a devoção trazida pelos portugueses misturou-se com o culto aos orixás-meninos (Ibejis ou Erês) da tradição africana yorubá. Cosme e Damião, os santos gêmeos, são tão populares quanto Santo Antônio e São João. São amplamente festejados na Bahia e no Rio de Janeiro, onde sua festa ganha a rua e adentra aos barracões de candomblé e terreiros de umbanda, no dia 27 de setembro, quando crianças saem aos bandos, pedindo doces em nome dos santos. 

Uma característica marcante na Umbanda e no Candomblé em relação às representações de Cosme e Damião, é que junto aos dois santos católicos aparece uma criancinha vestida igual a eles. Essa criança é chamada de Doúm ou Idowu, que personifica as crianças com idade de até sete anos de idade, sendo considerado o protetor das crianças nessa faixa de idade. Na festa de tradição afro, enquanto as crianças se deliciam com as iguarias oferecidas às entidades, os adultos ficam em volta entoando cânticos aos orixás. 

Mesmo não compactuando com a devoção que lhes é prestada, não se deve ignorar ou desprezar o testemunho de Cosme e Damião, muito menos demonizá-los como fazem alguns. 

Os médicos gêmeos jamais se deram aos ídolos, tampouco praticaram magia ou ocultismo, embora tenham sido acusados de fazê-lo. Pelo contrário, foram cristãos fiéis até o fim, amando o Senhor sem medida e manifestando Seu amor no serviço ao próximo. Tal testemunho deve continuar a nos inspirar, como tem inspirado a tantas gerações.

P.S.:  Uma pergunta recorrente quando o assunto é "Cosme e Damião" é se um cristão pode comer balas e doces oferecidos a eles. Vou deixar que Paulo, o apóstolo dos gentios, nos responda através de uma paráfrase que fiz do texto em que trata do assunto "Comidas sacrificadas aos ídolos":





“Ora, no tocante aos doces oferecidos a Cosme e Damião, já temos conhecimento suficiente. Mas devo salientar que o conhecimento incha, enquanto o amor edifica. E, se alguém pensa que já sabe alguma coisa, ainda não sabe como convém saber. O importante é amar a Deus e ser conhecido por ele. Logo, quanto ao comer comidas oferecidas a qualquer entidade, sabemos que o ídolo em si nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só. Ainda que haja alguns que se apresentem como deuses (ou santos), sejam em igrejas ou religiões de quaisquer matizes, inclusive africanas ou orientais, todavia, para nós, há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por intermédio dele. Mas nem todos têm este conhecimento; porque alguns até agora comem coisas consagradas em homenagem aos ídolos, e por terem consciência fraca, ficam contaminados. Ora, comer ou deixar de comer não faz qualquer diferença em nossa relação com Deus. Mas devemos ter cuidado para que essa liberdade não sirva de escândalo para os de mente fraca. Porque, se alguém te flagrar correndo atrás de doces consagrados (visto que tens conhecimento da verdade), não será a consciência do que é fraco induzida a comer também (mas sem ter o mesmo conhecimento)? E assim, pelo teu conhecimento prejudicará o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu. Ora, pecando assim contra os irmãos, e ferindo a sua fraca consciência, pecais contra Cristo. Por isso, se comer tais doces escandalizar a meu irmão, nunca mais os comerei, para que meu irmão não se escandalize.” 1 Coríntios 8:1-13