terça-feira, 26 de março de 2013

Jesus e seu inusitado meio de transporte



Por Hermes C. Fernandes

Este episódio entrou para história como a entrada triunfal de Jesus. Nenhum dos evangelistas reportou-se a ele desta maneira. A entrada de Jesus em Jerusalém em nada lembra as paradas triunfais protagonizadas pelos imperadores romanos. Diferente destes, Jesus era acompanhado por discípulos voluntariosos, e não por prisioneiros de guerra e soldados. Vinha montado num animal de carga, e não num corcel branco ou numa carruagem real. O jumentinho sequer lhe pertencia.

Recentemente, resolvi comparar os quatro relatos sobre este episódio e deparei-me com algo inusitado acerca do meio de transporte escolhido por Jesus.

Jesus destaca dois dos Seus discípulos e lhes dá a tarefa de encontrar o transporte que já havia sido providenciado pelo próprio Deus. Não seria um jumento qualquer, mas aquele que estivesse num determinado lugar, esperando para ser solto.

No relato de Mateus, Jesus lhes disse:

“Ide à aldeia que está defronte de vós, e logo encontrareis uma jumenta presa, e um jumentinho com ela; desprendei-a, e trazei-mos.” Mateus 21:2

Repare no detalhe: apesar de serem dois, provavelmente a mãe e o seu filhote, Jesus ordena que desprendam a jumenta. Entretanto, ambos deveriam ser trazidos a Ele.

Já no relato dos demais evangelistas não há qualquer menção à jumenta, mas apenas ao jumentinho.

Segundo Marcos, Jesus almejava montar no jumentinho, “sobre o qual ainda não montou homem algum” (Mc.11:2). O mesmo não se poderia falar da jumenta-mãe.

Outro dado interessante que Marcos nos traz é que o jumentinho fora encontrado“preso fora da porta, entre dois caminhos” (Mc.11:4).

Embora Marcos diga que o jumentinho estava preso, sabemos por Mateus que quem estava preso era sua mãe. O jumentinho apenas a acompanhava. O que o prendiam eram laços diferentes daqueles que a prendiam. A jumenta estava presa fisicamente, o jumentinho estava preso pela dependência que tinha da mãe. Para soltar o jumentinho, sobre quem Jesus almejava entrar em Jerusalém, os discípulos tinham que soltar a jumenta. Sem que a mãe fosse solta, o jumentinho empacaria.

João Batista, o precursor de Jesus, havia sido enviado por Deus para preparar o caminho do Senhor através da conversão dos pais aos filhos e dos filhos aos pais. Agora, Jesus deveria adentrar Jerusalém montado num jumentinho acompanhado de sua mãe. A mensagem é clara. Para que Jesus disponha do jumentinho, os discípulos devem soltar sua mãe.

De acordo com Jesus, o reino de Deus pertencia às crianças. Por isso, ninguém podia impedi-las de vir a Ele. A propósito, assim que entrou no templo derrubando as mesas dos cambistas, foi dos lábios das crianças que se ouviu: “Hosana ao Filho de Davi!”

Enquanto este coro foi proclamado pelos adultos, as autoridades religiosas não se incomodaram. Mas bastou que as crianças aderissem a ele, para que os sacerdotes murmurassem. Jesus os repreendeu dizendo: “... nunca lestes: Pela boca dos meninos e das criancinhas de peito tiraste o perfeito louvor?”
 
(Mt. 21:16). Jesus não se impressionou com as manifestações do povo, com seus mantos e ramos de palmeiras, mas não deixou de comentar o louvor dos pequeninos. Aquele era o perfeito louvor! O jumentinho sobre o qual ninguém havia montado!

Antes, porém, de recebê-lo dos lábios das crianças, Ele curou a todos os cegos e coxos que foram ao Seu encontro no templo (v.14). A jumenta tinha que ser solta, para o jumentinho fosse levado a Jesus.

E isso Ele fez ao derrubar as mesas dos cambistas, livrando o Seu povo da exploração religiosa feita em nome de Seu Pai. Isso Ele fez ao curar os doentes que passaram a transitar livremente pelo pátio do templo antes ocupado pelos negociantes da fé.  

Não podemos objetivar alcançar a nova geração, menosprezando as demandas dos adultos e anciãos. Lembremo-nos de que, de acordo com a profecia de Joel, o Espírito faria com que os velhos sonhassem, e os jovens tivessem visão. Só teremos jovens visionários, se tivermos adultos sonhadores.

Precisamos da força e da energia dos mais novos, sem prescindir da experiência e da companhia dos mais velhos.

Interessante notar também que de acordo com o relato que João faz deste mesmo episódio, Jesus cumprira uma profecia ao montar aquele jumentinho: “Não temas, ó filha de Sião; eis que o teu Rei vem assentado sobre o filho de uma jumenta”(Jo.12:15).

O Filho do Homem montado sobre o filho de uma jumenta. Uma maneira de dizer que as gerações que nos antecedem não podem ser esquecidas. Aquela jumenta não era apenas uma coadjuvante, mas protagonista do cumprimento de uma palavra profética. O jumentinho trazia seu DNA. Portanto, seu trabalho deveria ser-lhe creditado.

Por que Marcos faz questão de dizer que o jumentinho estava preso fora da porta, entre dois caminhos? Que importância haveria em tais dados?

Não podemos fazer uma leitura deste episódio com os óculos de nossa própria cultura. Chamar alguém de “jumento”, “burro”, é o mesmo que chamá-lo de estúpido, desprovido de inteligência. Porém, para um judeu contemporâneo de Jesus, o jumento era apenas um animal de carga. Não havia qualquer conotação negativa.  Digo isso, porque sugiro que os dois jumentos representam duas gerações distintas de seres humanos, a geração dos pais e a geração dos filhos.

O fato do jumentinho ser encontrado numa encruzilhada fora da porta da cidade também é significativo. Segundo o escritor de Hebreus, Jesus foi crucificado “fora da porta” (Hb.13:12), a fim de santificar o Seu povo. Estar fora da porta equivale a ser excluído, tal qual o cego Bartimeu que vivia do lado de fora dos muros de Jericó. Serão justamente os excluídos e marginalizados de nossa sociedade que Deus pretende usar para introduzir Seu reino. Nas palavras de Paulo, “Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele” (1 Co.1:27-29).

Estar “entre dois caminhos” também possui significado profundo. Aquela geração se via numa encruzilhada. Ou aderia à Pax Romana (a paz que o mundo dá), ou se rendia à paz oferecida por Deus, mediante a reconciliação proposta na Cruz.

Como discípulos de Cristo, somos enviados à uma geração que vive numa encruzilhada. Não apenas entre o caminho de Deus e o caminho dos homens, mas também entre ideologias, entre modernidade e pós-modernidade, entre o passado e o futuro, entre o mundo dos seus pais e o mundo dos seus filhos. Compete-nos desamarrá-las para saiam ao encontro d’Aquele que almeja usá-las para louvor de Sua glória e conclusão de Seu propósito, o estabelecimento do Seu Reino entre os homens. 

Bendito o que vem em nome do Senhor!

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