quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Confrontando uma geração de filhos da p#&@


Por Hermes C. Fernandes

Não fazia qualquer sentido. Como Deus poderia ter permitido aquilo? Depois de uma vitória tão grande, um fracasso inexplicável.  Israel havia sucumbido diante do exército de uma cidadezinha inexpressiva chamada Ai. Ao todo, foram 36 baixas e fuga vergonhosa.

Dias antes, Jericó tinha caído ante a fúria Israelita. A cidade fortificada fora conquistada pelo povo nômade que perambulava pelo deserto por quarenta anos. Seus muros ruíram depois de treze voltas ao seu redor. Foi um massacre. Uma vitória para levantar o moral daquele povo e fazê-lo temido por todas as nações que se alojaram na terra que Deus prometera a Abraão. Os únicos moradores poupados foram Raabe, a prostituta, e seus familiares. Josué decidiu honrar a promessa feita pelos espiais enviados a Jericó e acolhidos por aquela mulher de moral duvidosa. Em momento algum, julgaram-na pelo estilo de vida que levava. A única coisa que importava naquele instante era o fato de ter arriscado a própria vida para escondê-los em sua casa.

Chegou a vez de Ai. Israel se sentia um time de futebol vindo de uma campanha impecável de sucessivas vitórias. Agora, tendo que enfrentar um time menor, resolve poupar seu elenco e usar seu time reserva, subestimando seus adversários. Bastavam dois ou três mil soldados para quitarem a fatura. Entraram em campo de salto alto, como se usa dizer no futebol, e saíram descalços e desmoralizados.

Josué protesta. Rasga suas vestes diante do Senhor. Passo o dia inteiro prostrado sem proferir uma única palavra. Até que toma coragem e atrevidamente questiona:

- Por que o Senhor nos trouxe até aqui? Antes houvéssemos ficado do outro lado do Jordão.  O que os outros vão dizer? Como vai ficar a nossa reputação? Sem contar a vergonha sofrida pelo seu nome!
A preocupação do general israelita seguia a seguinte ordem de prioridades: 1) A repercussão negativa do fato; 2) A reputação do seu exército; 3) a glória devida ao nome do seu Deus. Pelo jeito, a glória de Deus era o que menos importava naquele momento.  O problema não era o ‘problema em si’, mas a repercussão negativa que gerava.

De repente, Deus interrompe sua oração e diz:

- Você está lamentando o quê? Vocês pecaram contra mim! Há coisas condenadas que foram trazidas para o arraial do meu povo! Enquanto isso não for eliminado, você experimentarão sucessivas derrotas.
Josué se levanta decidido a descobrir onde estava o erro. Quem quer que houvesse sido responsável deveria pagar caro. O mal teria que ser cortado pela raiz.

Imagino o burburinho entre o povo:

- O problema deve ser Raabe! Quem  mandou Josué acolhê-la entre nós!? Como pode uma prostituta ser aceita no meio de um povo santo? Temos que eliminá-la o quanto antes! Apedrejá-la com toda a sua família até a morte.

Em vez de precipitar-se, Josué recebe do Senhor a orientação para fazer uma espécie de triagem por sorteio. Dentre todas as tribos, a escolhida é Judá. Justamente a tribo de onde todos sabiam que sairia Aquele que seria destinado a governar o mundo, o Messias. O erro que impedira a vitória de Israel sobre Ai partira dali.

De todos os clãs de Judá, os zeraítas são os escolhidos. De todas as famílias do zeraítas, a sorte recai sobre a família de Zinri, e desta família Deus aponta Acã.

Ufa! Raabe deve ter respirado aliviada. O problema não era ela e sua família. O problema vinha de dentro do próprio povo de Deus.

Decepcionado, Josué se dirige a Acã e diz:

- Pelo amor de Deus! Onde você estava com a cabeça? O que você aprontou, Acã? Confessa! Não esconda nada!

Exposto, Acã resolve confessar o seu pecado:

- Enquanto Jericó era tomada, vi uma capa babilônica lindíssima, e usei-a para embrulhar todo o ouro e toda a prata que encontrei. Chegando à minha tenda, enterrei-os num buraco.

Profundamente decepcionado, Josué ordena a execução de Acã com toda a sua família. Era necessária uma medida radical para que não se abrisse um precedente justo agora que Israel começava a engatinhar como nação organizada.

Se a preocupação de Josué fosse tão-somente buscar um bode expiatório, a candidata mais provável  seria Raabe. Mas, além de ser poupada juntamente com sua família, Raabe ainda foi incluída na genealogia do Messias. Que incrível ironia. Acã, da tribo de Judá, condenado e apedrejado, como se fazia às prostitutas. Raabe, prostituta canaanita, poupada e incluída na estirpe do Messias.

Verdadeiramente, a graça subverte surpreendentemente a ordem das coisas.

Todavia, atrevo-me a afirmar que a igreja parece não ter aprendido a lição. Preferimos poupar Acã e apedrejar Raabe. Afinal, Acã é dos nossos! Raabe é da concorrência.

Os pecados de ordem moral são sempre os primeiros da lista. Sobretudo, os que envolvem sexo. Prostitutas, adúlteros, homossexuais, mães solteiras, são tratados como seres asquerosos, indignos do nosso convívio. Ao passo em que somos condescendentes com os gananciosos, com os que fazem qualquer negócio objetivando algum lucro. Crucificamos a carência, enquanto coroamos a ganância. O discurso moralista nos atrai muito mais do que o ético.

À exemplo dos discípulos, sentimo-nos ultrajados com a abordagem de Jesus com a mulher samaritana no poço de Jacó. Uma mulher que já estava no sexto relacionamento não deveria merecer a atenção do Senhor. Ela tinha que ser empurrada no poço para morrer lá. Porém, Jesus identifica ali uma carência. Os múltiplos relacionamentos eram sintomáticos. Por isso, em vez de apelar ao discurso moralista, Jesus lhe oferece a água da vida que saciaria sua carência para sempre.

O mesmo Jesus, ao deparar-se com Zaqueu, o famigerado cobrador de impostos, expôs seu disfarce e disse: Desce depressa, porque hoje me convém pousar em sua casa. Em outras palavras, Jesus estava dizendo: hoje você terá que repartir seu pão comigo e abrigar-me sob o seu teto. Todo ganancioso tem dificuldade de compartilhar o que tem. Quanto mais tem, mais quer. Jesus desfere um golpe sutil em sua avareza. Constrangido, Zaqueu se dispõe a devolver quadruplicado tudo o que surrupiou de seus próprios patrícios em nome de um governo estrangeiro invasor.

Uma igreja que fosse mais parecida com Jesus acolheria os carentes e exporia os gananciosos. Em vez disso, ela prefere aliar-se aos poderosos, enquanto detona os que considera pervertidos.

Os pecados sexuais se tornaram verdadeiros ‘bois de piranha’ (ou seriam ‘bois de Raabe’? rs). Enquanto nos preocupamos em demasia com eles, a boiada inteira passa incólume do outro lado do rio. Os mesmos que sobem aos palanques para denunciar a ‘ditadura gay’, envolvem-se em escândalos, votam em favor da impunidade, vendem-se por concessões de TV, escondem dinheiro não declarado dentro da Bíblia, etc.
Acã é nosso camarada! Raabe é uma descarada que não merece viver.  Viva o lucro, o jeitinho e a hipocrisia!

Enquanto pouparmos Acã, nossas vitórias serão sucedidas de épicas derrotas. Venceremos nas urnas, mas perderemos na relevância junto à sociedade. Venceremos na arrecadação, mas perderemos em credibilidade. Seremos maioria no Brasil, elegeremos o próximo presidente, mas não faremos qualquer diferença. Derrubaremos muralhas, mas sucumbiremos diante de nossa própria cobiça. 

Pelo jeito, Jesus prefere descender de uma p#&@ a ter Seu nome envolvido em tanta podridão. É melhor ser descendente direto de uma prostituta a ser conivente com uma 'geração adúltera' (eufemismo para "filhos da p#&@), como a que foi severamente denunciada por Jesus. Para Ele, prostituição vai muito além de alugar o corpo; é fazer por dinheiro o que deveria ser feito unicamente por amor. Inclusive, falar em nome de Deus e dos bons costumes. 

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